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Está tudo a acontecer

António da Silva Oliveira pertence à última geração de autores-editores-criadores cujo trabalho pode ser relacionado com a vida e o ambiente dos cafés do Porto. Após os anos dourados da segunda metade do século XIX e primeira do século XX, as décadas de 70, 80 e 90 são as últimas em que os cafés funcionam como palco principal onde se montam projectos, cruzam ideias, juntam recursos e combinam edições. É ainda nos cafés que se escreve, trocam manuscritos, vendem fanzines e revistas.
A esta geração coube o difícil papel de fazer a passagem entre os cafés e as redes sociais (incluo aqui os blogues). Os dois mundos conviveram durante pouco tempo. A passagem foi rápida e, para muitos criadores, impossível de acompanhar. A lógica de trabalho da rua, das gráficas e do papel, não é traduzível online. Os próprios códigos e o tipo de linguagem (especialmente literária) não funcionam, em grande medida, na internet. Por isso, o esforço de adaptação daqueles que cresceram nos cafés nem sempre tem sido bem sucedido.
Nos últimos anos, porém, vários grupos, muitos deles nascidos online (em blogues, no facebook ou através do contacto via email), têm recuperado a edição em papel, com a criação de novas editoras, revistas e até jornais. Há mesmo quem tenha apostado na impressão em tipografia tradicional, num movimento muito curioso de reaprendizagem e revalorização dos métodos antigos. Sem os constrangimentos técnicos do passado, graças ao aparecimento da impressão digital, por exemplo, há uma espécie de democratização da edição e um novo gosto pelas publicações em papel.
Em Lisboa, surgiram múltiplas editoras, com catálogos estimulantes e exigentes, que incluem revistas e livros de grande qualidade literária e gráfica. No Porto, começam igualmente a surgir sinais de uma dinâmica semelhante. Trata-se, na sua maioria, de projectos colectivos e alimentados a várias mãos, segundo uma lógica de grupo, tal como acontecia nos cafés. Sinais muito interessantes que vêm confirmar, digamos assim, a importância do trabalho de décadas de António da Silva Oliveira. Um trabalho de resistência permanente, sem concessões e sem interrupções, desde o fim dos anos 70.

Comentários

Laura Ferreira disse…
Que venham muitas iniciativas destas.