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Il faut nous donner votre argent...

Com a minha carta de bacharel num canudo, trepei enfim um dia para o alto da Diligência, dizendo adeus às veigas do Mondego. Justamente nesse mesmo tejadilho ia um francês, um commis-voyageur. Era um colosso, de lunetas, duro e brusco, com um queixo maciço de cavalo, que, à maneira que o coche rolava, ia lançando através dos vidros defumados um olhar às terras de lavoura, aos vinhedos, aos pomares, como se os sopesasse e lhes calculasse o valor, torrão a torrão. Não sei porquê, deu-me a impressão de um agiota, estudando as terras dum morgado arruinado. Conversei com este animal; ele pareceu surpreendido da minha facilidade no francês, do meu conhecimento do francês, da política de França, da literatura de França. De facto, eu conhecia romancistas, filósofos franceses, que ele ignorava. E ainda recordo o tom de alta protecção, com que me disse, batendo-me no ombro, enquanto nós rolávamos na estrada, vendo em baixo, no vale, o mosteiro da Batalha: 
- Vous avez raison, il faut aimer la France... Il n'y a que ça! Et puis, vous savez, il faut que nous vous fassions des choses, des chemins de fers, des docks, de choses... Mas il faut nous donner votre argent...
Creio que realmente, depois, temos dado notre argent à França, largamente.

Eça de Queirós, O Francesismo, 1886-87.

No próximo sábado, 25 de Novembro, às 17h00, haverá uma leitura e conversa em torno deste e de outros textos de Eça, na livraria da INCM no Porto (Praça dos Leões), com Isabel Pires de Lima. É a primeira sessão das "Leituras da Casa".

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