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Mensagens

Jogo das escondidas

Contar até 10. 1. Há um permanente jogo das escondidas entre Paulo Ansiães Monteiro (PAM, Porto, 1957) e o espectador dos seus trabalhos. Onde começam os textos e acabam os desenhos? Textos e desenhos são a mesma coisa? O que está mais vivo: o papel ou a tinta? E este jogo estende-se a outros níveis, digamos, mais profundos. O espectador transforma-se numa espécie de arqueólogo: uma camada esconde outra camada e esta outra ainda. 2. O trabalho de PAM possui uma urgência e energia muito particulares. Há qualquer força que nos empurra para o tempo mais primitivo da arte, qualquer força profundamente orgânica, profundamente humana. Qualquer força que sublinha a nossa incontrolável necessidade de comunicar, de conferir matéria ao pensamento. 3. Os desenhos parecem vivos, pulsam como se tivessem veias, falam-nos como se tivessem voz. Vibrantes, sinuosos, muitas vezes grotescos, construídos segundo a mesma mecânica que comanda a imaginação, usando talvez a mesma linguagem secreta

Sexta-feira, 3 de Fevereiro, às 22h00, na Sede.

Ibsen, autor de comédia

Percebo tanto de teatro como a maioria das pessoas: nada. É justamente por isso que vou ao teatro. Quero tentar perceber. Não sei se é possível explicar o seu mistério. Suponho que não. Por mais que se arrisquem explicações, o mistério permanece. Por que amamos uma peça e não gostamos de outra? Por que um texto, um actor ou um encenador alimentam a nossa imaginação e outros causam-nos repulsa? A encenação de Tónan Quito de “Um inimigo do povo” , de Henrik Ibsen, levanta uma série de interrogações importantes sobre as múltiplas – devo dizer, infinitas? – leituras que se podem fazer sobre o teatro. A peça é um dos mais famosos dramas de Ibsen: “Um médico, responsável pela garantia da qualidade sanitária de uma estância balnear, que atrai muitos turistas, descobre que as águas estão contaminadas. Decide tornar o facto público, em parte por influência do director do jornal local O Mensageiro do Povo . Acontece que o anúncio de tal calamidade tem consequências que o médico, Dr. Stockmann,

Um permanente desejo de subversão

Há nos personagens de Virgilio Piñera um permanente desejo de subversão. O mundo, ou melhor, a sociedade, estão organizados segundo regras demasiado estreitas e lineares, impossíveis de aceitar (neste ponto, é óbvio que Piñera tem como principal referência o regime castrista de Cuba, de que foi uma das vítimas, mas não só). Ora, os seus personagens refractários desafiam todas as convenções, mas sofrem igualmente todas as consequências. Tal como o leitor, adivinham desde a primeira linha o seu brutal destino, mas há uma força incontrolável que os impele a seguirem em frente e a não se desviarem um milímetro do seu objectivo. Há qualquer coisa neles de profundamente religioso, sacrificial, como se estivessem predestinados a uma espécie de imolação voluntária. É essa impossibilidade consciente de escaparem ao seu "destino" que faz deles personagens cómicos. De um humor raro e trágico. Virgilio Piñera vai estar na ªSede, no Porto, no dia 28 de Janeiro, às 17h00.

Nunca pedes a palavra

É o que admiro em ti: falas pouco, és tão distraído, mas tens um efeito tão forte. Por isso também acho natural que as pessoas comentem: que há ano e meio assumiste o lugar na Câmara Alta, mas nunca pedes a palavra. Está perfeitamente de acordo com um senhor como tu! Um senhor assim fala através da sua personalidade! Pois bem, eu observo-te. Daqui a alguns anos também sou assim. Por agora ainda tenho demasiada paixão. Tu nunca vais direito aos assuntos e não tens propriamente uma retórica, isso é que é elegante em ti. Hugo von Hofmannsthal, O indeciso . Tradução de Ludwig Scheidl.

Natação

Aprendi a nadar em seco. É mais proveitoso do que fazê-lo na água. Não há o medo de afundar, pois já se está no fundo e, pela mesma razão, já se está afogado de antemão. Também se evita que tenham de nos pescar à luz de um farol ou na deslumbrante claridade de um belo dia. Além do mais, a ausência de água evitará que fiquemos inchados. Não posso negar que nadar em seco tem algo de agónico. À primeira vista pensar-se-ia nos estertores da morte. No entanto, há uma diferença: enquanto se agoniza estamos bem vivos, bem alerta, a escutar a música que entra pela janela e a observar a lagarta que se arrasta pelo chão. A princípio os meus amigos criticaram esta decisão. Esquivavam-se aos meus olhares e soluçavam pelos cantos. Felizmente, a crise passou. Agora sabem que me sinto bem a nadar em seco. De vez em quando, mergulho as mãos no chão de mármore e ofereço-lhes um peixinho que apanho nas profundezas submarinas. Virgilio Piñera, O Grande Baro e outras histórias.