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Mensagens

Subir pelas paredes

Eis o menos nobre e mais vulgar dos materiais: o plástico. Barato, banal, está por todo o lado e serve para tudo. É o mais popular dos materiais. E que valor tem quando perde a sua utilidade? O que vale o pedaço de um brinquedo partido? O que resta de um recipiente de cozinha? Uma embalagem atirada para o lixo? O que vale o estilhaço de um electrodoméstico trazido pelo mar? Faça-se o exercício: observe-se com mais atenção esses objectos. A cor, a textura, a forma. Fora do seu contexto funcional, os objectos ganham uma potência, uma energia e uma vida muito particulares. Schwitters e Duchamp viram isso, Rauschenberg e Warhol também. Vários artistas tiveram essa visão com materiais diversos. Ricardo Nicolau de Almeida (RNA) viu isso no plástico. RNA recolhe restos de plásticos, que aparecem aleatoriamente nas ruas e nas praias. Fragmentos diferentes entre si, que o artista reordena, recompõe e recombina segundo uma visão estética radicalmente pessoal. Os materiais ganham uma ordem

Luxo

A ideia de que a morte deve ser o principal tema de reflexão e o objecto principal da atenção dos vivos nasceu com o luxo - com a abundância de reservas. Daí a estranha pergunta: perante coisas inúteis, em que pensar? Paul Valéry, Fragmentos narrativos. Tradução de Leonor Nazaré. Este livro é uma edição Dois Dias, casa editora que será apresentada na Sede, no próximo sábado, 25 de Março, pelas 17h00.

Mas um homem não é um cão.

«Seria possível a teoria dos reflexos condicionados de Pavlov levar as pessoas a obedecer à doutrina do Cristianismo?», pensou o Cardeal [Pölätüo] para consigo. Colocou uma folha de papel na sua macchina da scrivere e dactilografou com dois dedos: Para evocar reflexos são necessários estímulos. Os estímulos podem ser positivos ou negativos; exemplos: alimentos ou dor. Estes estímulos encontram-se nas mãos do poder secular, Temporal. Pensou mais um instante, após o que escreveu: Mas um homem não é um cão. Para um homem, os estímulos materiais são desnecessários. Para um homem, basta dizer que ficará confortável, ou que irá sofrer. E estes estímulos, positivos e negativos, estão acessíveis às mãos da Igreja. A campainha da máquina de escrever fez-se ouvir no final da linha. Pölätüo rodou o carreto. De repente, os seus dedos começaram a saltar sobre as teclas como se tivessem vontade própria. Mas esses estímulos já se encontram nas mãos da Igreja. São o PARAÍSO e o INFERNO! (...) E

A arte pode ser feita por programas de computador? Ou ela requer alguma dimensão específica e irredutivelmente humana?

Tendemos a pensar que a arte é o reduto último de afirmação da irredutibilidade de nossa espécie; portanto, uma justificação inexpugnável de sua singularidade, senão de sua superioridade.  (...) A filosofia da composição , de Edgar Allan Poe, revelou o quanto de pensamento crítico e consciente está em jogo durante o processo de criação (menos misterioso e inspirado do que se queria, portanto); nos poemas destituídos de eu lírico de Mallarmé, a própria linguagem parece ser o sujeito que escreve; nas Iluminações de Rimbaud já não se descreve nenhuma realidade factual ou externa, mas puras paisagens mentais; os artigos de Proust contra Sainte-Beuve, o crítico biográfico, observam que o eu civil do artista não se confunde com o eu da obra; os formalistas russos, já no início do século XX, inauguraram uma concepção radicalmente material da linguagem; há ainda a boutade precisa de Gide (“Com bons sentimentos se faz má literatura”); daí ao estruturalismo e, logo, à anunciada morte do autor
Raul Brandão.