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«As nossas mulheres»

Na apresentação da candidatura à Câmara do Porto, o concorrente da «direita democrática» disse: «Nesta terra não se ameaça, não se intimida impunemente as nossas mulheres, as nossas crianças, ou qualquer cidadão, seja nas ruas, nos jardins, ou nas estações de metro. Quem não sabe comportar-se dessa forma, não é bem-vindo!» Ia escrever que é uma declaração repugnante e irresponsável, mas desisti. Certas palavras já não significam nada.

Explicações

Numa conversa com um amigo, que tenta explicar, pela milionésima vez, a ascensão da extrema-direita com mapas, números e deduções «lógicas», irrito-me. Identificar o monstro, sentá-lo no laboratório da politologia e observar-lhe o ranho ao microscópio, não me dá alívio nem esperança. Pelo contrário. Desculpa, amigo. Não há ninguém neste mundo que não conheça bem o monstro. Basta olharmo-nos ao espelho.

Chaga

O ódio é um sentimento muito bem distribuído. Ninguém é santo. Somos humanos porque também odiamos. Mas alimentar o ódio como forma de vida é já outra coisa. Usá-lo como arma política para alcançar o poder torna-nos grotescos. Lançá-lo contra seres humanos que, por mero azar, estão mais vulneráveis do que nós, transforma-nos em simples linchadores. A extrema-direita afasta-nos de qualquer noção mínima de dignidade. É uma chaga impossível de curar, mas que é preciso desinfectar todos os dias.

A política do medo

À medida que o mundo se desconcerta e a extrema-direita se instala no poder ou se aproxima dele, o tempo parece empurrar-nos rapidamente para as grandes tragédias. Nos últimos dias, um pouco por toda a Baixa, dezenas de cartazes do Dia Internacional das Mulheres apareceram riscados e apagados com tinta preta. «Tem cuidado, Ofélia, tem cuidado/ E mantém-te na retaguarda do teu afecto,/ Abrigada dos projécteis e afrontas do desejo», diz Laertes à irmã. Ou melhor, Laertes ordena. Ele é um homem, viril e experimentado; Ofélia é apenas uma mulher, pura e inocente. E o macho conclui: «Toma por isso cuidado; a melhor política é o medo.» Os velhos textos não nos salvam, mas mostram o mundo sem paninhos quentes. Estamos avisados.

A velha tradição dos ladrões de malas

A história do deputado da extrema-direita que roubava malas lembrou-me um episódio contado por Cioran nos Cadernos : «Gertrud Kantorowicz, ao viajar com todos os inéditos de Simmel, perdeu-os a todos, pois a sua mala foi roubada enquanto ela estava no vagão-restaurante.»  (Tradução de Cristina Fernandes.) Na longa tradição dos ladrões de malas, imagine-se um nazi dos anos 20 ou 30 a abrir, ansioso e malandro, uma mala que acabara de roubar, e a descobrir, desiludido, um monte de gatafunhos sobre sociologia.

Botas

O sol e a chuva esbateram as cores do outdoor do partido de extrema-direita. O líder está pálido, envelhecido, quase cinzento. Com as enfermidades da idade, resta-lhe o grande ideal: arranjar um par de botas de pelica.

Labirinto da liberdade

Leio no jornal que um grupo de quatro mulheres dirigiu insultos xenófobos aos organizadores e participantes de uma exposição sobre a Ucrânia, intitulada Labirinto da Liberdade , junto à Estação de Metro da Trindade, no Porto. As mulheres gritaram , entre outras infâmias, «Não queremos cá os imigrantes», «Estão na minha terra» e «Faço o que quero». Isto aconteceu ontem. Dois dias antes, um outro grupo de extrema-direita expulsou da Casa do Tempo, em Cabeceiras de Basto, dezenas de pessoas que participavam numa sessão pública de esclarecimento sobre igualdade de género e orientação sexual. Segundo o jornal , um dos insultos que os militantes de extrema-direita dirigiram às mulheres foi «ide para casa fazer sopa».

Juste une image

A meio da tarde, o noticiário da CMTV exibia de um lado o desfile da claque do Benfica e do outro a manifestação da extrema-direita no Porto — ambas acompanhadas por polícias fortemente armados. O ecrã estava dividido em dois, mas não eram duas imagens. No rodapé lia-se: «Perigo total: fruta atirada à PSP». (...) quando criamos a tragédia no fundo acaba por ser só uma comédia e vice-versa.

Simples

Faltam cinco dias para as eleições. O curandeiro continua empenhado em limpar tudo. Cidades, aldeias, bairros, ruas. O país inteiro. O curandeiro quer limpar as doenças da sociedade e as maleitas das pessoas. Varrer constipações, gripes, obstipações, unhas encravadas, impotência, queda de cabelo e dentes cariados. Arrancar braços e pernas inúteis. A fruta podre e as ervas daninhas. Não vale a pena fazer perguntas. O curandeiro só tem respostas. É simples.

Os salvadores

É verdadeiramente comovente a preocupação da extrema-direita e dos ultraliberais pela «situação a que chegaram os nossos serviços públicos». A propósito destes benignos e sensíveis defensores do estado social, ocorre-me uma passagem de Um Sonho , de August Strindberg, na qual a tripulação de um navio em perigo «grita horrorizada ao ver o seu salvador» e «atira-se ao mar, com medo dele».

Prenda

Na Avenida da República, em Gaia, nos intervalos das decorações de Natal, há cartazes de um dos partidos da extrema-direita. A uma prenda com um laço luminoso, segue-se um cartaz da extrema-direita. A outra prenda luminosa, outro cartaz. E por aí adiante.

Horror

Guerra, assassínio, ódio, genocídio, extrema-direita. Parece tudo tão óbvio, tão ostensivo, como um murro no estômago. A repetição de um filme de horror já visto. E, no entanto, não consigo evitar a permanente sensação de que os jornais usam uma língua que não conheço, uma escrita feita de hieróglifos impossíveis de decifrar. A terrível sensação de que falta sempre uma peça ao conjunto. Qualquer coisa que só irei compreender no último momento, quando o tempo se tiver esgotado. Aquilo que Karl Kraus viu desde o princípio e que eu não consigo ver. Ou que — e este é o drama — prefiro não ver.