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Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2024

Raiva fria

5. Portanto, saímos à rua, nós, que podemos sair à rua sem sermos mortos ou espancados. E no fim do dia, quando chegar a hora de voltarmos para casa, nós, que temos casas para onde voltar: vamos poder dizer (a nós mesmos) que fizemos o quê? Talvez seja bom pegar (outra vez) no livro que Geoffroy de Lagasnerie escreveu em 2020 e que a BCF editou em Portugal logo no ano seguinte. Ele chama-lhe um ensaio de estratégia política , que é como quem diz uma raiva fria ou um fogo na mira dos olhos: um plano de como havemos de sair da nossa impotência política. Para ele, a esquerda joga para perder por pouco. A questão não é se estamos a fazer o suficiente na nossa luta: mas, sim, se estamos, de facto, a lutar. «Devemos perguntar-nos se aquilo a que chamamos os nossos “modos de acção”» (leia-se: o dicionário dos nossos gestos políticos) «não (...) são, na verdade, maneiras de fracassar. No exacto momento em que agimos, perdemos. Quando queremos agir, dizemos: vamos organizar uma concentração, pu

Uma vida boa (tão longe)

A FICÇÃO COMO CESTA: UMA TEORIA e outros textos, de Ursula K. Le Guin. Tradução de Sofia Gonçalves. Dois Dias edições.

Labirinto da liberdade

Leio no jornal que um grupo de quatro mulheres dirigiu insultos xenófobos aos organizadores e participantes de uma exposição sobre a Ucrânia, intitulada Labirinto da Liberdade , junto à Estação de Metro da Trindade, no Porto. As mulheres gritaram , entre outras infâmias, «Não queremos cá os imigrantes», «Estão na minha terra» e «Faço o que quero». Isto aconteceu ontem. Dois dias antes, um outro grupo de extrema-direita expulsou da Casa do Tempo, em Cabeceiras de Basto, dezenas de pessoas que participavam numa sessão pública de esclarecimento sobre igualdade de género e orientação sexual. Segundo o jornal , um dos insultos que os militantes de extrema-direita dirigiram às mulheres foi «ide para casa fazer sopa».

Influenciadores do século XX

Introducing Myself

A mulher e o seu saco

«Uma das características das mulheres é andarem sempre com sacos. Cada saco corresponde a um nível de acção específico. Na bolsa, trazem os documentos, o telemóvel quando não está nas mãos, lenços de papel, um livro, chocolates, ganchos, elásticos, uma chupeta, e mais alguns objectos estranhos. A mochila é para transportar o computador portátil. Um saco grande desportivo para as idas aos ginásios. A bolsa térmica com o almoço. Sacos com coisas que vão comprando de manhã e à hora do almoço para levar para casa ou para as casas das senhoras doutoras onde trabalham.» Há um ano, quando escrevi estas notas, achava que os sacos mostravam a posição social (quanto maiores, quantos mais sacos, menos dinheiro?) — um pouco à semelhança da roupa.  Depois de ler o texto de Ursula K. Le Guin , percebi que os sacos tem outro poder: contam histórias. Histórias que ninguém escreve.

Resistência

Certa vez, quando lhe perguntaram se, enquanto artista de esquerda, tinha nostalgia dos tempos brechtianos ou da literatura «engagée» à francesa, Pasolini respondeu nos seguintes termos: «De modo nenhum. Tenho simplesmente a nostalgia da gente pobre e verdadeira, que lutava para derrubar o patrão, mas sem querer com isso tomar o seu lugar.» Um modo anarquista, dir-se-ia, de separar a resistência política de uma simples organização de partido. Georges Didi-Huberman, Sobrevivência dos Pirilampos . Tradução Rui Pires Cabral.
À laia de posfácio, Regina Guimarães encerra a antologia com um poema de sua lavra, uma homenagem em que coloca Koltz a par de Michaux ou Bernhard entre esses nomes cintilantes que dariam sentido a uma ideia de Europa se esta “teimasse em existir”. Poetas teimosamente indigestos, que desde logo se esforçam por abrir “caminho aos leitores mais improváveis”,

Lama

A lama que empurra Rosetta para o fundo do rio é a mesma que puxa o homem sem a mão e o companheiro para o fundo do pântano, em A Caça . É a lama da história que impede os espoliados de permanecerem à tona. Parece não existirem nem mãe nem mão que os salve.

so much depends upon

Ao preparar-me para a conversa com a Ana Miriam Rebelo , percebi que o sofá à porta da casa de Bete em  Juventude em Marcha é um signo com a mesma potência do carrinho de mão vermelho de William Carlos Williams. (Os dois  banhados na luz da sua ausência de explicação .)

Os Limites da Europa

«Os filmes selecionados exploram histórias reais de resistência, abordando questões como a educação, o trabalho, as questões de género, a diversidade étnica e cultural, a integração, a exclusão, a violência e o racismo. Os filmes desafiam a sabedoria convencional sobre o que realmente ameaça a nossa evolução como espécie. Examinam a relação entre compaixão e humanismo, a importância da cultura e contrastam-nos com os interesses do liberalismo económico, do populismo e do colonialismo sistémico.»

Campo 24 de Agosto

( Minoria )  Quinze ou vinte pessoas, quase só homens, a preparar a manifestação junto ao edifício da junta de freguesia do Bonfim.* Dois cartazes com frases estúpidas.  Seis polícias espalhados aos pares a conversar descontraidamente.   ( Maioria )  Na frutaria, uma fila enorme e pacífica de portugueses e imigrantes.  Imensas tangerinas doces. * Segundo o JN, a manifestação reuniu cerca de 30 pessoas .
Painéis do Porto (1963), de António Reis.

Observações avulsas sobre o bonfim #67

Ao chegar ao Batalha por volta das cinco e meia, passaram por mim três homens a falar alto. Um deles disse: então andavam para aí com martelos e ferros e nós havíamos de nos ficar? Foi muito bem feito. Que vão para a terra deles. Parei e fiquei a olhar. Eles saíram de campo e então vi, em frente à Igreja de Santo Ildefonso, os polícias do Corpo de Intervenção destacados para o cortejo da Queima das Fitas.

Observações avulsas sobre o bonfim #66

A mulher que costuma vender 5 pares de meias por 5 euros junto à paragem de autocarros do Campo de Agosto aos sábados de manhã percebe muito de comércio. Hoje, por causa da morrinha, vende guarda-chuvas. Apregoa «guarda-chuvas para a chu-va» partindo ao meio a palavra chuva e carregando no som grave. Está vestida de preto, mas por cima da roupa tem um avental cor-de-rosa com rendinhas. O avental cumpre dois papéis: confere-lhe imediatamente visibilidade e estatuto de vendedora e é uma caixa registadora portátil — serve para guardar o dinheiro no bolso (grande e ao centro) com fecho-éclair.

1.º Maio

Se as denominações não estiverem correctas, se não corresponderem à realidade, a linguagem não tem objecto. Quando a linguagem não tem objecto, a acção torna-se impossível, e, por conseguinte, as empresas humanas desintegram-se: é impossível e vão geri-las. É por isso que a primeira de todas as tarefas de um verdadeiro homem de Estado consiste em rectificar as denominações. Quando Confúcio propõe rectificar as denominações como primeira tarefa para governar, está certo e fora do seu tempo — na eternidade, dir-se-ia  ( la mer allée avec le soleil ). Nós continuamos à espera que as rectificações sejam feitas. É preciso lutar por uma revolução na linguagem que não venha do mundo sinuoso e fraudulento das finanças nem de ideias políticas mesquinhas. ( Il est démontrable que chaque mouvement imprimé à l'air doit à la fin agir sur chaque être individuel. ) Ainda não experimentamos a fundo o poder da linguagem.  

Que não se muda já como soía

Depois de Serralves e da Casa da Música: Trabalhadores da empresa municipal Ágora - Cultura e Desporto do Porto (Batalha, Rivoli, Galeria Municipal, Campo Alegre, etc.) denunciaram "contratos precários" em equipamentos do município e reivindicaram melhores condições de trabalho. Em março,  o tipo que ganha 288 vezes mais  do que os trabalhadores do Pingo Doce disse que a fraca qualidade dos nossos políticos obriga-nos a pensar se não devemos mudar enquanto sociedade .  Sim, é urgente mudar, mas contra as práticas das empresas-sugadoras. Lutar por uma vida boa para todos.