Se à nascença todos estão destinados a sofrer a violência, a influência das circunstâncias fecha os espíritos dos homens a essa verdade. O forte nunca é absolutamente forte, nem o fraco absolutamente fraco, mas ambos o ignoram. Não se crêem da mesma espécie; nem o fraco se considera semelhante ao forte, nem é considerado como tal. Aquele que possui a força caminha num meio não resistente, sem que nada na matéria humana em seu redor seja de natureza a despertar esse breve intervalo entre o impulso e o acto, onde se abriga o pensamento. Onde o pensamento não tem lugar, também não o têm a justiça nem a prudência. É por isso que estes homens armados agem com dureza e com loucura. A sua arma crava-se num inimigo desarmado, de joelhos; triunfam sobre um moribundo descrevendo-lhes os ultrajes que o seu corpo irá sofrer; Aquiles degola doze adolescentes troianos na fogueira de Pátroclo tão naturalmente como nós apanhamos flores para uma campa. Simone Weil, A Ilíada ou o poema da força.
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral