Sem dúvida, o infeliz estava longe dos banhos quentes. Não era o único. Quase toda a Ilíada se passa longe dos banhos quentes. Quase toda a vida humana se passou sempre longe dos banhos quentes.
A força que mata é uma forma sumária, grosseira, da força. Quão mais variada nos seus procedimentos, quão mais surpreendente nos seus efeitos, é a outra força, a que não mata; quer dizer, a que não mata ainda. Vai matar de certeza, ou vai matar talvez, ou então está apenas suspensa sobre o ser que a qualquer momento pode matar; de qualquer das formas, converte o homem em pedra. Do poder de transformar um homem em coisa fazendo-o morrer procede outro poder, muito mais prodigioso, o de fazer uma coisa de um homem que continua vivo. Está vivo, tem uma alma; no entanto é uma coisa. Que ser tão estranho, uma coisa que tem uma alma; estranho estado para a alma. Quem poderá dizer como ela tem de torcer-se e dobrar-se sobre si mesma a toda a hora para se submeter? Não foi feita para viver numa coisa; quando a isso é forçada, nada mais resta em si que não sofra violência.
Um homem desarmado e nu para o qual se aponta uma arma torna-se cadáver antes de ser tocado.
Simone Weil, A Ilíada ou o poema da força.
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