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Ver o futuro

Sucedeu que, um dia, Júpiter, diz-se, relaxado pelo néctar, pusera de lado os seus graves cuidados e brincava, brejeiro, com Juno, também ela ociosa: “O prazer sexual é para vós, sem dúvida, muito superior ao que cabe aos homens”, dissera. Ela recusa tal ideia. Acordam então averiguar qual a opinião do douto Tirésias. É que este conhecia os dois lados do amor. De facto, em certa ocasião, sovara duas enormes serpentes, que acasalavam na erva verdejante, a golpes do seu bastão. De homem convertera-se em mulher (espantoso!), e passara sete Outonos assim. Ao oitavo, viu de novo aquelas serpentes. “Se tão grande é o poder da pancada com que vos feri”, disse, “a ponto de mudar no contrário o sexo de quem vos golpeou, bater-vos-ei também agora.” Golpeando as mesmas serpentes, retornou à forma primitiva e a figura com que nascera voltou. Ele é, pois, o mediador nomeado para este litígio brincalhão. Dá razão às palavras de Júpiter. A filha de Saturno, diz-se, ficou magoada, mais do que seria justo e o assunto merecia, e condenou os olhos do seu juiz à noite eterna. Mas o pai omnipotente (pois não é lícito a um deus anular actos de outro deus), em compensação pela perda da visão, outorgou-se a ver o futuro, e com tal privilégio aliviou a pena.

Ovídio, Metamorfoses. Tradução de Paulo Farmhouse Alberto.

Comentários

c disse…
Tirésias num carro de bois.