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Mensagens

Nada

Quando leio certos contos de Virgilio Piñera, a memória convoca também Robert Walser. Há em ambos uma atracção obsessiva pelo nada. As histórias parecem desfazer-se em pó. Os personagens parecem deslizar fatalmente para a desintegração. O que os distingue é uma diferença de grau, conferida talvez pela cor local. Piñera aproxima-se do nada por via do excesso, Walser por defeito. Piñera explode em imagens espantosas e truques formidáveis antes de tudo acabar no mais completo silêncio. Walser não grita, não gesticula, nunca muda de tom ou ritmo. No fim, o silêncio e o vazio são os mesmos: "Sem tempo, sem espaço, sem memória, sem nostalgia" (Piñera, Salão Paraíso ). Virgilio Piñera vai estar na ªSede, no Porto, no dia 28 de Janeiro, às 17h00.

Onde se lê "teatro" pode ler-se "literatura"

O meu teatro (peço desculpa por dizer "o meu teatro") sou eu mesmo, mas teatralizado. Ora, pertenço a uma época da história de Cuba marcada por grandes inseguranças - económica, social, cultural, política. Portanto, não é por acaso que as levo para o palco. O senhor deixou deslizar pela sua pergunta as palavras "absurdo" e "sátira". O ente social inseguro vive a sua insegurança como um absurdo e defende-se dela com a sátira. Entrevista com Virgilio Piñera, revista Conjunto , 1971.

Tudo é literatura

A frase que diz “E o resto é literatura”, faço-a minha, mas modifico-a, dizendo: “Para mim tudo é literatura...” Não adopto com esta declaração uma postura cómoda, como se dissesse: “Pois bem, tive um problema, mas serve-me para escrever uma história; perdi um amigo, mas ganhei um livro.” Isso seria demasiado fácil, demasiado simples e miserável. Virgilio Piñera, Teatro completo , p. 23

Sábado, 28 de Janeiro, 17h00

Messias e rinocerontes

Numa peça de 1948, Virgilio Piñera conta a história de um simples barbeiro de bairro, chamado Jesus , que os vizinhos declaram tratar-se do novo Messias. O pobre barbeiro rejeita tal predicado e nega todos os milagres que lhe atribuem. Os discípulos, porém, transformam cada coincidência (os pais chamam-se Maria e José) e cada palavra de Jesus num motivo de encantamento. Ora, vítima de tão excepcionais e involuntárias circunstâncias, vê-se forçado a enfrentar o fanatismo popular e a proclamar a sua condição de “Não-Jesus”. Desta maneira, nega não apenas a sua condição de Messias, mas também a sua própria identidade, uma vez que efectivamente se chama Jesus. O problema assume proporções inimagináveis: o Vaticano envolve-se no assunto (aconselha-o a não confirmar nem a desmentir a fé do povo na sua suposta natureza divina, Vox populi vox Dei ) e as autoridades públicas exigem-lhe que realize façanhas prodigiosas. Por compaixão, ajuda algumas pessoas que lhe pedem milagres e que, por iss

Lepisma saccharina

O centro e a periferia

Na literatura, a floresta está por conta dos escritores de língua alemã. (Esta afirmação não é completamente verdadeira, mas também não é completamente falsa.) O problema dos escritores de língua alemã, um dos problemas, melhor dizendo, é o excesso de intensidade (continuamos no limbo das opiniões imprudentes): entram na floresta e querem ir logo para o centro, querem sempre qualquer coisa profunda e geométrica. Holden Caulfield, pelo contrário, não sabe bem o que quer, mas quando decide ir embora, decide ir para o Oeste, fingir que é surdo-mudo e construir uma pequena cabana "mesmo na borda da floresta, mas não na floresta, porque queria ter sempre o máximo de sol". A floresta sombria nas costas, o sol de frente — ou vice-versa. O plano é inteiramente perfeito e até necessário, mas chegar a esse sítio é mais difícil do que chegar ao coração da floresta. A verdade é que Salinger pirou-se e Holden foi parar a um sanatório. Cristina Fernandes.