Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens com a etiqueta Chris Marker

Il est mort le soleil

Todos me dizem que No Quarto de Vanda é muito duro. Como se essa constatação fosse uma muralha. Percebo que as circunstâncias (a droga, a pobreza, a destruição do bairro) são extremas, mas o filme tem também uma doçura, ora triste, ora cómica, que se sobrepõe a esse tom áspero. Talvez não se dê por ela da primeira vez, talvez seja necessário dar tempo ao tempo. A minha relação com o filme, confesso, é um bocado esquisita, quer dizer, não o respeito como um objecto íntegro (o que vai muito contra as minhas próprias regras). Às vezes vejo apenas uma cena, ouço uma conversa (os iogurtes de morango, o mês de maio,...) alguns sons (pássaros, a televisão ao longe, um cão,...), como se fosse um filme de fragmentos. Mas o enquadramento constante é o apogeu e o fim da adolescência, esses anos grandiosos em que temos um território que nos pertence por completo: o nosso quarto é o nosso domínio, onde fazemos e dizemos o que queremos e estamo-nos nas tintas para o resto do mundo. Podem ser ...

«Ser fantasma entre fantasmas»

Há um desconcerto declarado em Ossos . Não é o filme que rompe com tudo, não tem nem a aura nem a veneração de No Quarto de Vanda , mas à distância, e depois de o ver várias vezes, apercebo-me que é já aqui que Pedro Costa e o próprio cinema perdem o pé — as imagens e o som projectados na tela não são, não podem ser, o que estava planeado, é outra coisa mais desvairada. Se insistirmos um pouco, conseguimos ver todo esse descalabro a acontecer. Os actores (principalmente as mulheres que olham — como a mulher de Bissau em Sans Soleil* — e as mulheres que agem) e o próprio bairro deram cabo das intenções cinematográficas, cortaram diálogos, forçaram a escuridão e o silêncio, abandalharam a acção e criaram, elas mais do que ninguém, um objecto estranho e provocatório onde o sentido está dissociado de uma narrativa com causas e consequências — e que se aproxima de qualquer coisa primitiva, amoral e até mesmo, por vezes, infantil (isto não anda longe de uma definição básica de surrealismo)...
Les troupes d'occupation s'inquiètent d'un mutisme qu'elles ont elles-memes engendré; on devine une insaisissable volonté de silence, un secret tournant, omniprésent; les riches se sentent traqués au milieu des pauvres qui se taisent; embarrasses de leur propre puissance, les «forces de l'ordre» ne peuvent rien opposer aux guérillas, sinon le ratissage et les expéditions de représailles, rien au terrorisme, sinon la terreur. Quelque chose esta caché en tout lieu et par tous; il faut faire parler .  La torture est une vaine furie, née de la peur : on veut arracher d’un gosier, au milieu des cris et des vomissements de sang, le secret de tous . Inutile violence : que la victime parle ou qu’elle meure sous les coups, l’innombrable secret est ailleurs, hors de portée; le bourreau se change en Sisyphe : il applique la question, il lui faudra recommencer toujours.  Même silence, pourtant, même cette peur, même ces dangers toujours invisibles et toujours présents ne peuve...

Carta da Sibéria

 

Como um plano de Sans Soleil

Barros Lima é uma rua tramada, obriga sempre a subir quer se comece numa ponta ou noutra.  Está situada num sítio pobre já perto da estação de campanhã e é bastante feia. Quando entronca na avenida Fernão Magalhães, ainda é pior. Há uns tempos tentaram dar um jeito ao cotovelo: fizeram uns muretes de pedra e plantaram seis cerejeiras de flor rosa dobrada atrás dos contentores do lixo. Não melhorou muito. Mas hoje de manhã reparei que as flores estão a rebentar e numa das varandas, uma mulher oriental fazia exercícios de alongamentos de braços.