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A mostrar mensagens com a etiqueta avenida da boavista

Observações avulsas sobre a boavista #20

Não sei se o conceito “moradia Arpel” serve mais a arquitectos, sociólogos ou cinéfilos. A mim dá-me jeito como instrumento multiuso — tipo canivete suíço. Na avenida da Boavista, nos números três mil setecentos e tal, existem uns quantos exemplares. Algumas até têm cadeiras exteriores idênticas às do filme de Jacques Tati. Imagino que lá dentro  tudo comunica .

Observações avulsas sobre a boavista #17

Descer a avenida pelo lado direito. Atravessar a ponte sobre a via de cintura interna quase até ao fim. Parar um tempo por cima dos carros e camiões que passam velozes em direcção à Arrábida. Abarcar a estrada, os veículos, os painéis e a vegetação que cresce a monte — no mesmo plano. Esqueçam Serralves, o melhor sítio na Boavista para perceber a arte contemporânea é aqui.

Observações avulsas sobre a boavista #14

O google maps guarda um mundo ainda recente mas que já não existe. Passo aqui todos os dias. O Hiva Oa (polinesian bar) fechou e foi substituído pelo D’Avenida (Fine Dining & Clubbing). Quando fizeram as obras, cortaram o salgueiro. Fotografia: google maps, abril de 2018.

Observações avulsas sobre a boavista #12

O caminho de terra batida junto ao muro do edifício Burgo (às vezes pára lá ao fundo uma carrinha para vender qualquer coisa, talvez fruta e legumes). O bairro Bessa Leite com roupa a secar à janela. E o baldio onde agora cresce milho e se estende até ao acesso à VCI. Todo esse espaço corresponde ao território dos cães e coscorões de Tati. Fotografia da google maps, abril de 2018.

Observações avulsas sobre a boavista #8

Observações avulsas sobre a boavista #5

Comecei a sair na estação de Francos porque fica mais perto. Mas agora já não é uma questão de distância. Gosto daquele bocado de Tenente Valadim junto à linha que parece um beco e também a saída de operários da fábrica. Gosto da mercearia a meio que vendes sandes e cafés de cápsula aos trabalhadores da Altice como se fosse uma venda dos arredores. Depois do cruzamento com João de Deus, gosto das árvores: na esquina, a ameixoeira de folhas castanho avermelhado, carregada de frutos minúsculos; os bordos japoneses que ladeiam a porta do BPI e crescem inclinados; mais adiante, dois choupos quase tão altos como o Sheraton; ao chegar à avenida da Boavista, o jacarandá em flor.

Observações avulsas sobre a boavista #4

Há vários hotéis na avenida da Boavista e nas ruas vizinhas, mas são todos insípidos — acho que a definição que se usa nestes casos é “estilo internacional” (ver Playtime , de Tati). Onde eu gostava de passar uma noite, ou até várias noites, era na sede do Partido Comunista. O que é que se passa naquelas habitações por cima da zona comum (nem sequer sei se esta é a nomenclatura correcta — sala de reuniões, de trabalho?), por trás dos estores e das cortinas? Como é que se acede a esses andares? Quem vive lá? Durante quanto tempo?

Observações avulsas sobre a boavista #3

Hoje a avenida da Boavista parecia um jogo electrónico antigo cheio de pistas esquisitas. Não sei se é influência do Leão de Belfort, se é deste calor exagerado, se é de acordar demasiado cedo. Logo no início, uma t-shirt branca com uma espécie de labirinto estampado na frente enfiada numa cruzeta pendurada na porta do restaurante vegetariano (acho que era o meu número); mais adiante, um pássaro cansado; junto ao bingo, um cartaz publicitário de um banco encravado a meio com esta frase à altura dos meus olhos: “nunca deixe de procurar”. Procurar o quê? Precisava de um dicionário de pistas, mas um livro desses, tão perigoso, deve estar escondido num túmulo no oriente e o Indiana Jones já está velho para resgates. Ou então; talvez seja necessário outro o género de herói? Talvez precise daqueles calhamaços que ligam uns para os outros e Groucho Marx vende nas corridas de cavalos como se fossem gelados. Ou então, pelo menos, um gelado. Isso deve servir.

Observações avulsas sobre a boavista #2

Perto do cruzamento com a Marechal, numa moradia um bocado antiga mas com os requintes da época, há um roseiral. Em rigor, é apenas uma amostra de roseiral, uma coisa quase kitsch, um talhão junto ao muro. Cercado com rede para proteger as rosas de quem passa na rua e dos cães da casa. Volta e meia vejo lá jardineiros profissionais, com ferramentas e adubos. No inverno cortaram rente todos os ramos e aquilo parecia um local de guerra: querem que nasça tudo de novo, com mais vigor e de forma adequada. As rosas já começaram a crescer; cor de laranja, amarelas, brancas, vários matizes de cor de rosa, vermelho vivo, um lilás raro. Todas cheias de força desordenada. As rosas ganham sempre aos jardineiros e aos donos dos jardins.

Observações avulsas sobre a boavista #1

Sempre pensei na Avenida da Boavista como uma unidade, um caminho para chegar à Foz. Mas agora que percorro a pé, de segunda a sexta, mais de metade da sua extensão, apercebo-me das singularidades quase quarteirão a quarteirão. Até os pássaros são diferentes. Junto a Agramonte há andorinhas urbanas; fazem ninhos nos buracos das empenas forradas com placas de fibrocimento onduladas — mais um mês e chegam. Entre o Bessa e o Foco, naquele parque de estacionamento mal amanhado em frente à Farfetch, pegas rabudas. Na Fonte da Moura, já muito perto do parque da cidade, periquitos-de-colar e também corujas de plástico.