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Memorabilia de cinema

Fomos ao Campo Alegre rever o Conto de Primavera . No regresso, junto aos contentores do lixo, à entrada da Rua do Gólgota, estavam três cadeiras (uma delas partida), uma cama com as peças separadas, um colchão, duas mesas de cabeceira (sem puxadores nas gavetas) e uma cómoda. Parecia um dos cenários do filme, desmontado e descartado. Trouxemos as cadeiras que estavam prestáveis. Vamos chamar-lhes as cadeiras Éric Rohmer.

Ponto, linha. Nada.

Natasha sai para comprar pão e deixa o pai e Jeanne a preparar o jantar — é uma estratégia de aproximação. Eles quase não se conhecem, sentam-se à mesa, um ao lado do outro, de frente para a câmara: Jeanne corta salame, Igor corta tomates. Nem prestei atenção ao que dizem, todo o interese vai para os movimentos dos corpos. É um dos clímaxes do filme (directo para a lista de cenas com pessoas a descascar e cortar coisas de comer). Mas o melhor do filme não é um ponto, é uma linha — algo que se desenrola do princípio até ao fim: não se passa nada (lista de filmes onde não se passa nada). Como diz Rohmer, quando parece que vai acontecer alguma coisa, não acontece. Tirando o desaparecimento e descoberta do colar (Hitchcock e Poe em versão primaveril), nada mais. Isso — chamemos-lhe buraco, ausência, vazio ou nada —, muito mais do que as conversas temáticas, é que faz de Conto da Primavera um filme extremamente filosófico (lista negra).