Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens com a etiqueta Diabo

Ultrapassagem

Ontem à noite vi A Ultrapassagem , de Dino Risi, na televisão. É um filme notável sobre um diabo e um jovem Fausto a voarem num descapotável, pelas estradas de Itália, a 120 km/h. Alguma moral a reter nesta história? Nenhuma. O diabo e o jovem, Vittorio Gassman e Jean-Louis Trintignant, assumem os seus papéis sem subterfúgios nem equívocos. Conhecem-se desde o princípio dos tempos. Um produz magias, o outro paga para ver.

O Diabo, provavelmente.

Laurence Tâcu: Acredita na existência do diabo?  Emil Cioran: O diabo é o símbolo de qualquer coisa. O diabo não é uma invenção habitual. Existe sem existir. Acredito que o diabo é o mestre do mundo . É tão real como Deus. O mesmo tipo de realidade. O diabo é ao mesmo tempo ficção e realidade . Acredito que a história universal, a história do homem, é inimaginável sem o pensamento diabólico, sem um desígnio demoníaco. Na história, ele aparece o tempo todo. O diabo é o símbolo de qualquer coisa. Mas uma vez que o mal é o motor da história, o diabo tem, necessariamente, uma existência implícita. O que se chama, o que os crentes chamam de diabo é muito real, não na sua forma ingénua, evidentemente… mas o diabo é o grande agente do devir da história, e a história universal sem a ideia do diabo é inconcebível . Para mim, é uma convicção profunda. É o mal que é o motor da história. Pode-se conceber isso sem ter necessidade de uma fé negativa. É um princípio, o mal, filosoficamente falando,

Fábula bressoniana

Ontem, por volta das seis da tarde, um grupo de raparigas e rapazes franceses entrou no 502 (paragem Serralves). Eram mais de dez, falavam baixo, tinham a beleza diáfana dos modelos de Bresson. Parecia aquela cena de  Le Diable probablement . Um deles (esguio, calças e sapatilhas pretas, camisa esbranquiçada larga sem colarinho, gorro preto) podia ser Ivan Karamazov e trazer o diabo no bolso. 
— Pela última vez, Deus também não existe. — Então, quem anda a gozar assim com as pessoas, Ivan? — O Diabo, pelos vistos — esboçou um sorriso Ivan Fiódorovitch. — E o Diabo existe? — Não, também não existe. Os Irmãos Karamázov, primeira parte, livro 3 “Os Voluptuosos”, capítulo 8 “Enquanto se toma conhaque”. Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra. Editorial Presença. Outubro de 2002.

Chá e biscoitos de amêndoa

Conta-se que certa noite o Diabo apareceu a Fausto. O Diabo, criatura espiritualíssima, astuciosa, mestre em assuntos sombrios e chantage, queria por força vender a alma a Fausto. E pelos vistos não a vendia cara. Mas não sou especialista em assuntos de mercado e, por isso, como se costuma dizer, faço questão de manter um certo recato. Fausto sentou-se na sua cadeira de bruços e durante alguns minutos não fez mais nada senão coçar o nariz. Um relógio distante bateu meia-noite e meia. O candeeiro lampejava no tecto como um olho enorme e misterioso. No telhado, um gato fez brilhar as suas garras. A Fausto nem sequer lhe passava pela cabeça investir algum do seu precioso cabedal na aquisição de uma alma, mesmo tratando-se da alma do Diabo, coisa rara e inestimável, suponho eu, que não sou especialista, e também supunha Fausto. Houve um momento de silêncio, que se prolongou por várias horas. Estou a encurtar muito, senão nunca mais acabava. - Hum! – murmurou Fausto, olhando o fumo do se