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A mostrar mensagens de julho, 2016

Aquilo em que ninguém reparara antes

Ninguém sabia de onde viera nem como chegara à cidade. Apareceu aqui um belo dia e foi tudo. O mais certo é ter caído das nuvens ou brotado do chão como uma erva rara. O fio do mistério começava justamente neste ponto. Passava os dias e as noites sentado nas esplanadas a enrolar cigarros e a espiar vagamente o plácido curso das horas. Fazia lembrar – que os grandes mestres da literatura me perdoem – um morno e indolente gato ao sol. De vez em quando pegava num livro, sem intenção de ler, abria-o ao acaso e punha-o logo de parte. Depois, engolia uma cerveja sem parar para respirar e ficava a olhar saudosamente para o copo vazio. Metia conversa, gracejava, contava anedotas no melhor dos ânimos. E quando era convidado para uma partida de cartas, não só não furtava ao jogo, como ainda dava gratificações aos empregados. Penso que tudo isto é o que se pode chamar um procedimento esquisito. Intrigados, muitos de nós começaram por conceber teorias fantasistas e abracadabrantes, rejeitando um
Jean Paul, retratado por Heinrich Pfenniger, 1797-1798.

Jean Paul, autor de Maria Wutz de Auenthal, autor de Borges, autor de Pierre Menard, autor do Quixote.

O tal facto importante que, ao que parece, é essencial conhecer antecipadamente, é o seguinte: Wutz tinha - não comprado, como é que ele a poderia ter comprado? - mas escrito, pela sua própria mão, toda uma biblioteca. O seu tinteiro foi a sua tipografia de bolso. Qualquer produto novo da feira [do livro], cujo título fosse descoberto pelo mestre-escola [Wutz], estava, por assim dizer, de imediato escrito ou comprado. Pois a verdade é que se lançava imediatamente ao trabalho, aprontava o produto e oferecia-o à sua notável colecção de livros que, tal como as dos pagãos, era exclusivamente composta por manuscritos.  (…) Depois de ter enchido desta maneira, ao longo dos anos, a sua estante, com o que ele próprio escrevera e estudara, acabou por acreditar que os seus manuscritos eram os autênticos textos canónicos, enquanto os impressos não passavam de simples contrafacções dos seus. Queixava-se unicamente de não poder compreender - ainda que lhe oferecessem um bailado - a razão que leva

Devia ser papéis

"Mas porque está ele assim [magro, pálido e sem cabelo]?" disse Anna Pávlovna. "Deve ser de escrever, senhora." "Escrevia muito?" "Muito. Todos os dias." "E o que escrevia ele? Papéis?" "Devia ser papéis." "E porque não o impedias?" "Tentei, senhora: 'Não fique aí sentado, Alexándr Fiódorytch', dizia-lhe eu, 'vá dar uma volta. Faz bom tempo, muitos cavalheiros vão passear. Escrever para quê? Dá cabo dos pulmões e a mamã fica zangada...'" "E ele o quê?" "Ele dizia: 'Põe-te a andar! És maluco!'" Ivan Goncharov, A história de sempre . Tradução de Manuel de Seabra.

Problema

A dispara uma flecha na direcção de B . Exactamente a meio da trajectória, a flecha faz um desvio de 106º e atinge C no peito. De um ponto de vista matemático, como é isto possível? Justifique a sua resposta apresentando os respectivos cálculos.

Se isso lhe agrada, leitor, por que não?

Uma mulher. Um homem. A mulher tem óculos. O homem tem um guarda-chuva. Se isso lhe agrada, leitor, por que não? A mulher tem óculos e uma saia de renda. O homem tem um guarda-chuva e cabelo à escovinha. Se isso lhe agrada, leitor, por que não? A mulher tem óculos, saia de renda e um cigarro entre os dedos da mão esquerda. O homem tem um guarda-chuva, cabelo à escovinha e um cachimbo na mão direita. Se isso lhe agrada, leitor, por que não? A mulher tem óculos, saia de renda, um cigarro entre os dedos da mão esquerda e uma barbatana em lugar da perna direita. O homem tem um guarda-chuva, cabelo à escovinha, um cachimbo na mão direita e uma gaveta de mesa-de-cabeceira em lugar da boca. Se isso lhe agrada, leitor, por que não? A mulher tem óculos, saia de renda, um cigarro entre os dedos da mão esquerda, uma barbatana em lugar da perna direita e pedala tranquilamente pelos campos verdes numa bicicleta azul. O homem tem um guarda-chuva, cabelo à escovinha, um cachimbo na mão direita, uma g