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Entre um corpo e a sua sombra

As palavras extraordinárias de Anne Carson sobre o trabalho de tradução: «A translator is someone trying to get in between a body and its shadow. Translating is a task of imitation that faces in two directions at once, for it must line itself up with the solid body of the original text and at the same time with the shadow of that text where it falls across another language. Shadows fall and move.»
Luísa Costa Gomes confessou que a peça de Kleist desencadeou nela “qualquer coisa” que não é “capaz de explicar”. Em que consistia, ou como se manifestou? “Achei que deveria ser eu a traduzir, a fazer a dramaturgia, a encenar e — se não me tivessem segurado – teria provavelmente feito o papel do Príncipe.”  Isto é mais ou menos a definição de síndroma. Síndroma de Homburgo.

Um recadinho amoroso

Conheci escritores obtusos e até mesmo estúpidos; todos os tradutores que conheci eram, sem excepção, inteligentes e muitas vezes mais interessantes do que os autores que traduziam. (Há mais reflexão na tradução do que na «criação».) Emil Cioran, Cadernos 1957-1972 (outubro de 1971)

Não é assim tão simples

“Tenho de falar inglês de um modo que não revele a minha personalidade”, respondeu. “A tradução é assim. A personalidade do tradutor tem de se esconder.” “Estás a dizer que te escondes dentro de todas as línguas que traduzes? Como alguém se esconde numa floresta? Encolheu os ombros. “Não é assim tão simples.” Depois riu-se. O homem que via tudo, de Deborah Levy. Tradução de Alda Rodrigues.

Que batalha sempre perdida isto é

Quanto ao ânimo mais íntimo, Beckett ainda se sentia extremamente abatido. Viu-se sobrecarregado com tarefas menores e com a verificação de traduções do seu trabalho, o que o deprimiu ainda mais. "Tão cansado e farto da tradução", escreveu a MacGreevy, "e que batalha sempre perdida isto é. Queria ter a coragem de lavar as mãos de tudo isto, quero dizer, deixar isto para os outros e tentar continuar algum trabalho." É que o fardo cansativo de rever as traduções do seu trabalho que outros tinham feito impedia-o de avançar com as duas traduções mais importantes com que se tinha comprometido: Endgame e The Unnamable ( Fim de Partida e O Inominável ). (...) Beckett mostrava-se frustrado e impaciente com os seus esforços iniciais, sentindo constantemente perdas em relação ao original: "Está horrível em inglês, toda a clareza perdida, e os ritmos. Se eu não estivesse vinculado a um contrato com o Royal Court Theatre, não autorizava a peça em inglês." James Kn...

A Grécia de que falas

Bastava o nome Manuel Resende ou, se quisesse somar qualidades, o trabalho meticuloso do Rui Manuel Amaral e da Tatiana Faia, a intrepidez editorial da Língua Morta. Mas não foi nada disso, o amor também tem minudências: abri o livro à sorte, encontrei a palavra “ganapos” na página 149 e caí na armadilha de uma relação inevitável.

Divertimento com chapéu verde e púrpura

Comecei com “Tudo o que sobe deve convergir”. Li o conto que dá nome ao livro, uma edição de 2006 da Cavalo de Ferro, traduzido por Clara Pinto Correia. Depois descobri a tradução, mais recente, de Rogério Casanova para a Relógio d’Água . No confronto das duas versões apercebi-me de uma frase muito discordante e fui procurar o original . A este ritmo, nem o lay off chega para me divertir a sério com a Flannery O’Connor. Ah, em “Tudo o que sobe deve convergir” o humor é o chapéu. (...) O chapéu era novo e custara sete dólares e meio. Ela não parava de dizer «Se calhar não devia ter gasto tanto dinheiro. Não, não devia. Vou devolvê‐lo amanhã. Nunca devia tê‐lo comprado.» Julian ergueu os olhos para o céu. «Não, claro que fez bem em comprá‐lo», disse. «Agora ponha‐o na cabeça e vamos embora.» Era um chapéu hediondo. A aba de veludo púrpura, dobrada para baixo de um dos lados, arrebitava do outro; o resto era verde e com o aspeto de uma almofada vazia. Decidiu que era menos cómic...

Fracasso

O conto intitula-se «Vida e aventuras de Pavlichenko Matvei Rodionytch» e é acompanhado de uma nota de rodapé do tradutor, Armando Pereira da Silva, que diz o seguinte: «A tradução desta narrativa, mesmo com a melhor vontade do mundo, não podia ser feita senão numa linguagem aproximada e convencional.» O leitor sabe que, de uma maneira ou de outra, todas as traduções não podem senão adoptar uma «linguagem aproximada e convencional». E, no entanto, o tradutor faz questão de lembrar essa evidência. Não há trabalho mais honesto do que o da tradução literária. É o único que, desde o primeiro instante, e por mais esforço que se faça, estará sempre destinado ao fracasso.

Tradução

É sabida a história de Guimarães Rosa que lembra a seu tradutor alemão que a tradução de determinada palavra não estava correta, o significado não era aquele proposto, mas o escritor sugeriu, ao mesmo tempo, que se mantivesse a solução “equivocada”, pois lhe tinha agradado. Júlio Castañon Guimarães.

Batatinhas salteadas (esclarecimento)

Alguém pesquisou “batatinhas salteadas alvaro de campos” no bing e veio dar ao bicho ruim. Já aconteceu algumas vezes esta semana, por isso é melhor esclarecer o assunto. Ora bem, que eu saiba, há uma cena do engenheiro com dobrada à moda do porto servida fria ; batatinhas, acho que não. Mas podemos explicar a existência de batatinhas salteadas no blogue. Para começar, convém dizer que na origem, na língua alemã/vertente suíça, é rösti. A meio de uma representação, o actor que interpreta Helmer vê-se tomado de desejos de rösti e, seguindo uma ânsia sem travões, dá cabo dos valores morais de Ibsen. Walser é perito nestas tropelias existenciais. A tradutora podia ter retirado a trema (agora toda a comida é global); ou optado por tortilha que é semelhante ao rösti e tão comum que até se vende no supermercado. Resolveu saltear as batatas e, esse é o grande trunfo, reduzi-las a batatinhas. Leopoldina Almeida criou assim uma expressão em português que vai muito além da gastronomia e rev...