Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens com a etiqueta silêncio

A sua parte remelosa

Ela, Tina (a personagem), Guadalupe G. Güemes (a atriz), está a fechar a porta de um armário. Quando a porta fecha, não se ouve nada. A sequência é muda. Silenciosa. É um filme feito com recursos de amadores, na segunda metade dos anos sessenta. Para um realizador dessa época, o som era um problema. Dificuldade do som directo ou do som pós-sincronizado. Neste filme há vários tipos de som e é ao realizador que cabe escolher um deles. Não podem coexistir. Há momentos de diálogo, em que ouvimos vozes. Há momentos em que ouvimos som ambiente, por exemplo, sons da rua. Há momentos em que ouvimos música. E depois há momentos em que não ouvimos nada. Quando o namorado da Tina espera impacientemente por um amigo na rua, por exemplo. E esta sequência quotidiana da Tina e do namorado depois de, pressentimos, terem passado a noite juntos, a levantarem-se, a lavarem-se, a vestirem-se, enquanto a câmara os acompanha, livre e íntima. Pode-se pensar, claro, que se não há som é por falta de meios. Ma

Não queiras

IO: O oráculo é difícil de sondar... PROMETEU: Não queiras a miséria toda aprofundar. Ésquilo, Prometeu Agrilhoado .

4 Aventuras de Reinette e Mirabelle

Sem a avalanche habitual de palavras, os filmes de Rohmer seriam outra coisa. E, no entanto, em Reinette e Mirabelle busca-se o silêncio. Um silêncio que só é possível «escutar» longe das cidades e durante um breve minuto, na hora azul, quando os animais nocturnos adormecem e os diurnos acordam. Mesmo assim, há um motor que se ouve ao longe. Ou quando Reinette quer provar, num jogo com Mirabelle, que é capaz de passar um dia inteiro sem dizer uma palavra. Reinette ou Rohmer em modo auto-irónico?

Quem mexe os cordelinhos?

Fui rever Days of Being Wild , de Wong Kar-Wai. Desta vez, o que me impressionou foi o som. Os personagens, já se sabe, pouco falam. Mas entre as palavras, o que existe não é o silêncio, mas o ruído. Os amantes expressam-se, quase sempre, através do barulho ensurdecedor dos gestos. O barulho desesperado das mãos, dos braços, das pernas, dos pés, dos olhos, dos lábios. O filme é uma sucessão de corpos aos gritos. Corpos presos por arames invisíveis que os arrastam fatalmente para longe uns dos outros.

Sublinhados meus

Os angustiados, os asfixiados, os exaustos, os abatidos, os sobrecarregados, os saturados, os queimados, os esgotados, os electrocutados. São eles e elas quem podem (podemos) perturbar a posição dominante do desejo hoje: o sempre-mais. Mas interromper o quê? Como esquivar-se ao imperativo do rendimento? Como escapar à figura do “maximizador”. É preciso um novo ataque à “economia libidinal” do neoliberalismo, à sua organização do desejo: um certo apagão das nossas energias desejantes. Esta “luta” não é necessariamente épica, heróica e colectiva. Não é necessário desvalorizar a deserção progressiva e os apagões pessoais. David Le Breton investigou, por exemplo, modos subtis de desacato ao imperativo do “seja você mesmo”, de estar permanentemente conectado e disponível, de estar sempre à altura. Fala do “silêncio” e do “caminhar”. Ele propõe que estes possam ser tomados como formas políticas de resistência. Como fugas activas do ruído da conexão permanente, como modos de voltar a tomar co

Assalto

Um alarme tocou na rua durante toda a noite. Aquele som agudo, penetrante, como um beliscão contínuo na corda dos nervos. Dez minutos e o nosso único desejo é que aquilo pare. Que a vida retome a indolência habitual. Sono, letargia, torpor. Da mesma forma, podem soar todos os alarmes. Nos jornais, nas rádios, nas televisões. Podemos assistir ao assalto, sermos as primeiras vítimas, podem roubar-nos tudo: a verdade, a liberdade, a compaixão. A maioria de nós vai preferir sempre o silêncio. Deitar-se e dormir.

Território espiritual

A maior parte das vezes também penso que não deveríamos dizer nada sobre Robert Walser — uma gentil retribuição da nossa parte. Mas somos sempre tentados, ah! descobrir uma palavra particular, uma frase, uma imagem que nunca ninguém viu e que se aproxime da doçura e da crueldade e que tenha profundidade não saindo do mais rasteiro e por aí fora no desvario. Acabamos afogados (João César Monteiro, por exemplo, afogou-se na escuridão e na humidade com extrema verticalidade), mas isso também não é mau. Porque em Walser é sempre tudo bom e alegre, mesmo quando choramos. Principalmente quando choramos.

O horror!

Se de repente uma mão invisível desligasse as televisões e aparelhagens de som de todos os cafés, esplanadas, restaurantes, lojas, salas de espera, repartições públicas, casas, apartamentos, T1, T2, T3 Duplex, e voltássemos a escutar apenas o som da nossa voz, não nos reconheceríamos. O vazio, o silêncio, o perfil sem fotografia, a conta sem actualizações, a folha em branco, é como uma espécie de morte em vida. O horror! O horror!