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Ervilha debaixo do colchão

Também podia abrir um Gabinete de Investigações Literárias  — na verdade não me faltam ideias para negócios sem prosperidade. Mal comecei a ler Geada , de Thomas Bernhard, fiquei logo com vontade de descobrir qual é o livro de Henry James que o jovem estagiário de medicina levou para Weng. Em vez do livro de Koltz sobre as doenças do cérebro, mais apropriado às circunstâncias da sua missão, ele preferiu Henry James — porquê? E trata-se mesmo de uma decisão sua, enquanto personagem e narrador, ou é uma partida de Bernhard? Sobre o Pascal do pintor Strauch não tenho dúvidas, é um livro qualquer, quer dizer, todos. Além disso é possessivo: é o Pascal do pintor Strauch .  Agora o Henry James não me sai da cabeça. Às vezes acho que é “A fera na selva”, a seguir percebo que só pode ser “O desenho no tapete”, depois volto à estaca zero: nem fera nem desenho, é outra coisa.
Particular hate: Henry James, though Gorey claims to have read the oeuvre twice.

— Ele disse para lhe dizer — informou com fidelidade — que é uma porca repugnante e ascorosa!

Fiz uma pesquisa e descobri que o livro de Henry James (edição de março de 2017) não mereceu a atenção da crítica. Encontrei o artigo escrito por Mário Santos para o ípsilon ; uma entrevista a Francisco Vale, da Relógio d’Água, no programa “Ronda da Noite” da antena 2 ; e mais nada. (Isto já nem sequer é uma queixa, é apenas um dado para a estatística.) No meio da informação recolhida dei com a capa da versão brasileira (edição da Penguin/ Companhia das Letras, com tradução de Paulo Henriques Britto e capa de Raul Loureiro e Cláudia Warrak) e resolvi direccionar a pesquisa para o lado gráfico. As capas mais antigas de “O que Maisie Sabia” não têm imagens, apenas cor e fonte tipográfica e, às vezes, para dar graça, uns arabescos. Duas ou três mostram um retrato de Henry James — um homem muito sério e concentrado. A maior parte reproduz quadros de época com crianças cândidas, enquadramentos mais ou menos fechados mostrando meninas sozinhas, de pé, sentadas, encostadas a uma pared

Perícia com facas e parafusos

Percebe-se que a literatura era (completamente pretérito imperfeito) um ofício duro ao ler “O que Maisie sabia”. Henry James maneja as palavras como um cozinheiro japonês maneja facas. É preciso ajustar a nossa respiração ao ritmo da frase: longa, sinuosa, enigmática. Claro que só é possível compreender isso porque o tradutor (Daniel Jonas) também sabe lidar com facas. O livro é um romance (de formação, apetece acrescentar), mas também o testemunho de uma prática que caiu em desuso.