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A mostrar mensagens com a etiqueta William Shakespeare

Ban, Ban, Calibã!

O título, Calibã e a Bruxa , inspirado na peça A Tempestade , de Shakespeare, reflete esse esforço. Na minha interpretação, no entanto, Calibã não apenas representa o rebelde anticolonial cuja luta ressoa na literatura caribenha contemporânea, mas também é um símbolo para o proletariado mundial e, mais especificamente, para o corpo proletário como terreno e instrumento de resistência à lógica do capitalismo. Mais importante ainda, a figura da bruxa, que em A Tempestade fica relegada a segundo plano, neste livro situa-se no centro da cena, enquanto encarnação de um mundo de sujeitos femininos que o capitalismo precisou destruir: a herege, a curandeira, a esposa desobediente, a mulher que ousa viver só, a mulher obeah que envenenava a comida do senhor e incitava os escravos à rebelião.  Calibã e a Bruxa, de Silvia Federici.

Que chalaceiro me saíste!

N’ O Mercador de Veneza há uma cena que corresponde mais ou menos ao desenvolvimento teatral do «queria, já não quer» dos empregados de café espertalhões. Talvez não seja a situação mais moderna, quer dizer clássica, quer dizer moderna, da agitadíssima peça, mas mostra bem, por comparação negativa, como a literatura contemporânea se desliga constantemente da possibilidade de humor linguístico da realidade mais comezinha, e prefere meter-se em enfados de gabinete sem brilho nem chiste.  Mas vamos então à cena (na melodiosa tradução de Daniel Jonas ): em Belmonte, Lancelote informa Jessica que, por mais voltas que dê à sua vida, está tramada. Nisto, entra Lorenzo.  Jessica: Vou dizer ao meu marido o que me disseste, Lancelote: aqui vem ele.  Lorenzo: Não tarda vou ficar com ciúmes, Lancelote, se continuas a andar com a minha mulher por sítios recônditos.  Jessica: Não, não tendes de temer por nós, Lorenzo: Lancelote e eu estamos desavindos. Diz-me a s...

O privilégio de compreender a vulgaridade de Shakespeare

Há várias referências a Hamlet e Shakespeare n’ O Príncipe Negro , as que me interessam mais são estas quatro:  Na página 141 (edição da Relógio d’Água), Julian e Bradley encontram-se por acaso na rua e acabam por falar outra vez sobre Hamlet. Digamos que é um divertimento provocador ao ar livre; uma ocasião propícia aos simbolismos (antecede a oferta das botas roxas a Julian); aquilo que mais tarde, no relatório policial, transforma-se num momento crucial para a acção, ou seja, a desgraça. A aula, propriamente dita, começa na página 170 e já dispõe de cadeiras, mesa e livros. Aqui Bradley supera-se (só não sei se é na própria altura em que tudo acontece ou depois quando descreve a situação):  «Porque Shakespeare conseguiu, através da pura meditação sobre o tema da sua própria identidade, criar uma nova linguagem, uma retórica especial da consciência…» (…) «O ser de Hamlet é feito de palavras, tal como o de Shakespeare.»  « Palavras, palavras, palavras .»  «Há alguma...

Oh, estou tão contente com as botas.

Julian e Bradley já começaram a falar de Hamlet, mas não tenho coragem de interromper a leitura d’ O Príncipe Negro e passar a Shakespeare para um exercício diletante de montagem paralela; é difícil resistir à escrita sedutora de Iris Murdoch (e à tradução exemplar de José Miguel Silva). Para mais, acabei de chegar à cena das botas roxas. Se fosse eu a decidir, era as botas que punha na capa — segundo o meu critério sofisticado , só faltava isto para considerar Murdoch uma verdadeira filósofa.

Jejum intermitente

Depois d’ A Cabeça Decepada , comecei logo a ler O Príncipe Negro . Mas o excesso de Iris Murdoch pode causar danos (já tinha sido avisada), por isso pousei o livro e fui pesquisar capas , para desanuviar: além das banais, a da Warner é horrível e cómica; a da Lumen é um bocado pretensiosa (não só esta, mas todas as que têm rostos de mulheres ), pelo contrário, uma versão antiga da Penguin com a rapariga azul e o selo vermelho é perturbadora e só por isso ganha uns pontos; a chinesa e a da Vintage Classics são bonitas (a chinesa também é delicada); nenhuma tem a Post Office Tower (quando os desenhadores gráficos não lêem os livros na íntegra, passam ao lado das potencialidades freudianas).  Entretanto o carteiro trouxe o outro príncipe, Hamlet — ficam os dois juntos e em repouso mais um tempo a ver o que acontece. Street level view of the newly completed Post Office Tower, July 1965 (CM 22/195)

Máscara

Os jornais dão conta de que o uso de máscara vai ser obrigatório em múltiplas situações. É impossível não pensar no teatro. De um momento para o outro, somos forçados a usar máscara para continuar a desempenhar o nosso papel na grande representação do mundo. O teatro já não imita a vida. É a vida que imita o teatro. DUQUE SÉNIOR Bem vês que não estamos sós no infortúnio: Este teatro imenso e universal Tem representações mais lastimáveis que a cena Em que entramos. JAQUES O mundo é um palco E todos os homens e mulheres simples actores: Têm as suas saídas e entradas, E, em vida, um só homem tem vários papéis (...). Shakespeare, Como vos aprouver. Tradução de Fátima Vieira.
“ Nada vincula tanto o ser humano à linguagem quanto seu nome. ” Podemos abrir um bocado as palavras de Walter Benjamin, aplicar o princípio não só aos seres humanos. Faz todo o sentido, por exemplo, que a Holanda seja tratada por Países Baixos. — O bon Dieu! Les langues des hommes sont pleines de révélations.

Apenas um homem

O título da peça de Shakespeare é «A Tragédia de Júlio César». A companhia , porém, optou por rasurar « A Tragédia de ». O que permanece visível no título é o nome de César: « A Tragédia de Júlio César.» Um nome isolado, solitário, terrivelmente exposto. Um peso descomunal abate-se pois sobre ele, quando na verdade César é apenas mais um homem, um caso, um nome riscado da superfície da história. O que permanece é «A Tragédia», mil vezes repetida, tantas quantas as mulheres e homens que alguma vez puseram os pés neste mundo. Tragédia é sinónimo de César, Cássio, Bruto e de todos os nomes conhecidos e desconhecidos, de «países por nascer e línguas ainda ignoradas». E é exactamente por isso que esta opção é tão notável. As palavras que se tenta esconder sob um risco ou o corte de uma lâmina gritam mais do que quaisquer outras. Esconder é tentar mostrar melhor. César é apenas um homem, a tragédia é de todos.

Voodoo Macbeth

When we [Orson Welles and John Houseman] did the Voodoo Macbeth , it was very successful, and we got very nice reviews except from a few die-hard Republican papers. Percy Hammond wrote a perfectly awful review saying this was a disgrace that money was being spent on these people who couldn’t even speak English and didn’t know how to do anything. It was a dreadful review but purely a political review. We had in the cast of Macbeth about twelve voodoo drummers and one magic man, a medicine man who used to have convulsions on the stage every night. They decided that this was a very evil act by Mr. Hammond, and they came to Orson and me and showed the review. They say, “This is bad man.” And we said, “Yeah, a helluva bad man. Sure, he’s a bad man.” The next day when Orson and I came to the theatre, the theatre manager said, “I don’t know how to tell you this, but there were some very strange goings-on last night. After the show they stayed in the theatre, and there was drumming and chanti...

A arte de sublinhar Macbeth, segundo Marquês de Sade

No Manual de Leitura de Macbeth , editado pelo  Teatro Nacional de São João , Rui Carvalho Homem escreve sobre a famosa “intemporalidade” de Shakespeare. Quer dizer, sobre a “capacidade de o texto shakespeariano nos propor um entendimento do mundo e do humano”, que atravessa o tempo e o espaço. Essa “intemporalidade”, continua Rui Carvalho Homem, é “encarada hoje com reserva (ou cepticismo)” pela crítica académica, em resultado do aparecimento de “novos contextualismos”. No entanto, é inegável que Shakespeare foi e continua a ser “fonte de ampla produção literária e artística”, e a sua influência “não encontra paralelo em qualquer outro corpus literário e dramático”. Shakespeare criou o mundo em sete dias. No primeiro dia fez o céu, as montanhas e os abismos da alma. No segundo dia fez os rios, os mares, os oceanos E os restantes sentimentos - Que deu a Hamlet, a Júlio César, a António, a Cleópatra e a Ofélia, A Otelo e a outros, Para que fossem seus donos, eles ...