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Os bons fotógrafos dançam

Enquanto esperava pelas Três Irmãs , de Tchékhov, que estavam guardadas no depósito 2 da Biblioteca, sentei-me num sofá a folhear a Electra do verão do ano passado. A revista publica sempre artigos inteligentes que têm de ser lidos na íntegra e com muita atenção, mas as entrevistas atraem de outra forma espacial — já não estamos fechados num gabinete ou auditório, as janelas são tão grandes e estão tão abertas que parece mesmo que estamos na rua ao ar livre. A conversa entre André Príncipe, José Pedro Cortes e Bernard Plossu é desse tipo.  Lembro-me de muitas fotografias de Plossu — dos Encontros de Coimbra ou do Centro de Fotografia do Porto — e batem certo com o que ele afirma: «E é verdade, os bons fotógrafos dançam. E, provavelmente, a arte mais próxima da fotografia não é o cinema nem a literatura, é a dança. Um bom fotógrafo é gracioso.»  A determinada altura, isso decorei, Plossu lembra que Édouard Boubat dizia que image e magie tem as mesmas letras.

Punho no estômago (I)

Num certo sentido, A Imagem Fantasma* é um livro difícil de ler, quer dizer, afecta-nos de um jeito avassalador logo a partir do primeiro texto. Pensamos que um tipo a escrever sobre fotografia vai focar-se em questões estéticas mais ou menos abstratas e isso é bom para repousar a vista e pensamentos mais intermitentes. Pois, talvez seja, mas não é o caso de Hervé Guibert; ele escreve com outra coisa mais dura para além ou antes das palavras, e expõe-se tanto que entra por nós a dentro, e já não há nada a fazer.  Por exemplo, Os Óculos de Ler o Pensamento é um parágrafo de nove linhas sobre uma invenção que encontrou na  Bibi Fricotin que o atraia e lhe metia medo ao mesmo tempo e faz uma passagem, que é um corte seco, para a fotografia — e é só. Pois sim, mas a partir daí sabemos que a fotografia é uma actividade arriscada. Nunca vi essas revistas de banda desenhada, no entanto quando era muito pequena (creio que ainda nem sabia ler) também tinha medo de uma máquina de ler...

É na terra

Exposição de Roger Ballen na Cadeia da Relação . A maioria das fotografias quase não me toca. Composições complexas que lembram um Joel-Peter Witkin um pouco mais contido, um pouco menos exuberante. Mas a série que está na primeira sala é muito diferente. Imagens simples, sem fogo-de-artifício. Cabeça, tronco e membros, em cenários praticamente despidos. Há qualquer coisa que me conduz até Caravaggio. Talvez seja a sujidade nas mãos e nos pés. Não há nada mais verdadeiro do que mãos e pés sujos. Não vivemos no ar, mas na terra. É sobre ela que nascemos, caminhamos e morremos.

Baixo contínuo

Se juntarmos as imagens geográficas da Google (maps, earth) e as fotografias que tiramos a todo o instante (auto-retratos, gatos, comida, sexo, paisagens, etc.), conseguimos um retrato muito aproximado da nossa vida. Uma espécie de fotografia contínua (ainda ninguém registou o conceito? talvez acrescentando a palavra baixo?), omnipresente — o contrário exacto do que é a fotografia .  Mais do que imagens, parecem um sinal de qualquer coisa — como os gráficos das máquinas dos hospitais que provam que ainda estamos vivos. 

Intimidade dos Armazéns do Chiado

Quando estamos a ver o filme já nos apercebemos disso, não passa ainda de uma coisa fraca, como se os nossos olhos fossem os de Agnès Varda captando imagens desfocadas e com significados indefinidos. Na verdade, a alegria que Varda e JR levam aos "lugares" por onde passam e aos rostos das pessoas está ligado a uma tristeza que é própria da fotografia e da morte (a palavra mais adequada é "nostalgia" trazendo consigo o rasto de viagem e dor, a falta de algo), uma tristeza que se vai prolongar mais no tempo, fora da sala de cinema. "Olhares lugares" é ao mesmo tempo essa viagem literalmente a bordo de uma carrinha mascarada de máquina fotográfica e a tentativa de encontrar qualquer coisa que falta num lugar e vencer essa falha: os mineiros que já morreram, as mulheres dos estivadores de corpo inteiro nos contendores empilhados, uma cabra com cornos porque é da natureza das cabras terem cornos, a rapariga com a sombrinha, os peixes numa cisterna, os pés de...