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Punho no estômago (I)

Num certo sentido, A Imagem Fantasma* é um livro difícil de ler, quer dizer, afecta-nos de um jeito avassalador logo a partir do primeiro texto. Pensamos que um tipo a escrever sobre fotografia vai focar-se em questões estéticas mais ou menos abstratas e isso é bom para repousar a vista e pensamentos mais intermitentes. Pois, talvez seja, mas não é o caso de Hervé Guibert; ele escreve com outra coisa mais dura para além ou antes das palavras, e expõe-se tanto que entra por nós a dentro, e já não há nada a fazer.  Por exemplo, Os Óculos de Ler o Pensamento é um parágrafo de nove linhas sobre uma invenção que encontrou na  Bibi Fricotin que o atraia e lhe metia medo ao mesmo tempo e faz uma passagem, que é um corte seco, para a fotografia — e é só. Pois sim, mas a partir daí sabemos que a fotografia é uma actividade arriscada. Nunca vi essas revistas de banda desenhada, no entanto quando era muito pequena (creio que ainda nem sabia ler) também tinha medo de uma máquina de ler os pensa

É na terra

Exposição de Roger Ballen na Cadeia da Relação . A maioria das fotografias quase não me toca. Composições complexas que lembram um Joel-Peter Witkin um pouco mais contido, um pouco menos exuberante. Mas a série que está na primeira sala é muito diferente. Imagens simples, sem fogo-de-artifício. Cabeça, tronco e membros, em cenários praticamente despidos. Há qualquer coisa que me conduz até Caravaggio. Talvez seja a sujidade nas mãos e nos pés. Não há nada mais verdadeiro do que mãos e pés sujos. Não vivemos no ar, mas na terra. É sobre ela que nascemos, caminhamos e morremos.

Baixo contínuo

Se juntarmos as imagens geográficas da Google (maps, earth) e as fotografias que tiramos a todo o instante (auto-retratos, gatos, comida, sexo, paisagens, etc.), conseguimos um retrato muito aproximado da nossa vida. Uma espécie de fotografia contínua (ainda ninguém registou o conceito? talvez acrescentando a palavra baixo?), omnipresente — o contrário exacto do que é a fotografia .  Mais do que imagens, parecem um sinal de qualquer coisa — como os gráficos das máquinas dos hospitais que provam que ainda estamos vivos. 

Intimidade dos Armazéns do Chiado

Quando estamos a ver o filme já nos apercebemos disso, não passa ainda de uma coisa fraca, como se os nossos olhos fossem os de Agnès Varda captando imagens desfocadas e com significados indefinidos. Na verdade, a alegria que Varda e JR levam aos "lugares" por onde passam e aos rostos das pessoas está ligado a uma tristeza que é própria da fotografia e da morte (a palavra mais adequada é "nostalgia" trazendo consigo o rasto de viagem e dor, a falta de algo), uma tristeza que se vai prolongar mais no tempo, fora da sala de cinema. "Olhares lugares" é ao mesmo tempo essa viagem literalmente a bordo de uma carrinha mascarada de máquina fotográfica e a tentativa de encontrar qualquer coisa que falta num lugar e vencer essa falha: os mineiros que já morreram, as mulheres dos estivadores de corpo inteiro nos contendores empilhados, uma cabra com cornos porque é da natureza das cabras terem cornos, a rapariga com a sombrinha, os peixes numa cisterna, os pés de