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Mensagens

A mostrar mensagens de janeiro, 2021

Dimenticare, ballare.

Che bello sarebbe se riuscissi finalmente a girare quel film musicale, gli anni ’50, a sinistra tutti per Stalin però c’è un pasticcere, trotskista, isolato, calunniato che solo nel suo laboratorio, tra le sue paste e le sue torte, è felice. E dimentica. E balla. Nota: para juntar à lista de Henri Lefebvre.

Ladrar aos pombos

O cão preso na varanda passa o dia a ladrar aos pombos e às gaivotas. Talvez o cão não se resigne com a ideia de que aquelas criaturas nasceram com asas e que consigam voar acima das varandas, acima dos telhados, para lá do horizonte. A ciência explica, mas sou como o cão.

Especial vitalidade

(...) A filosofia, língua morta. “A língua dos poetas é sempre uma língua morta... um dito curioso: uma língua morta que se usa para dar uma vida maior ao pensamento”. Talvez não uma língua morta, mas um dialecto. Que a filosofia e a poesia falem numa língua que é menos do que língua é o que lhes dá a medida do seu alcance, da sua especial vitalidade. Pesar, julgar o mundo medindo-o através de um dialecto, de uma língua morta e, no entanto, fértil, onde não há a mudar uma virgula sequer. Continua a falar este dialecto, agora que a casa arde. (...) A poesia e a palavra são a única coisa que nos resta de quando não sabíamos ainda falar, um canto obscuro dentro da língua, um dialecto ou um idioma que não percebemos completamente, mas que não podemos deixar de ouvir – mesmo que a casa arda, mesmo que na sua língua que arde a humanidade continue a falar em vão.  Existirá uma língua da filosofia, como existe uma língua da poesia? Como a poesia, a filosofia habita integralmente na linguagem e

Obras-primas

Félix Pérez escreve sobre os filmes de Hong Sang-soo: Filme após filme, Hong Sang-soo oferece-nos um assombro após outro. É difícil chamar-lhes obras-primas, não porque não o sejam ou porque sejam menores do que outras consideradas como tal, mas porque essa terminologia, de certa maneira, adultera-as, ofende-as: não pretendem ser obras-primas, não gritam por atenção, não exigem que se reconheça a sua importância. Podíamos usar as mesmas palavras para descrever os livros de Robert Walser.

Magnólia

De vez em quando, por entre o incansável barulho da chuva a bater nos vidros, consigo distinguir o delicado farfalhar da magnólia molhada. Em baixo, melros nervosos divagam por cima das raízes. Parecem muito ocupados com um pensamento importante. Que pensamento? O que sabem os melros que nós não sabemos?

A Casa Amarela

Acontece-me muitas vezes, ao traduzir os textos de Cioran, encontrar palavras francesas que já não se usam. De certeza que as apanhou nos livros antigos (imensos e variados).  (Aparte) Aqui convém destacar que a principal actividade intelectual de Cioran é — não o podemos esquecer — ler. Escrever é importante, é verdade, mas vem a seguir, como a consequência num exercício de lógica. Para Cioran, ler é quase uma actividade orgânica como respirar, uma força vital como pensar.  (Continuando) Isto vem a propósito de uma das entradas do seu diário sobre lágrimas. No fim do parágrafo, Cioran escreveu: Sans quoi, je serais au cabanon.   É preciso recuar uns anos, uns séculos, para perceber o que Cioran quer dizer. Recuperar esse sentido de manicómio e depois escavar até chegarmos à Casa Amarela . Quando estabelecemos essa ligação dinâmica, o nível de serotonina sobe espontaneamente. É uma alegria.

Condições de vida

Ao lutar pelo pagamento dos salários a 100% para os trabalhadores que estão em lay off ou retoma progressiva de actividade, o Partido Comunista melhorou as minhas condições de vida. Posso ligar o aquecedor mais tempo, comprar um vinho melhor e até, de vez em quando, comer bife do lombo. Assim, e sem o saber, o PCP transformou-se no patrocinador oficial das minhas traduções de Cioran até junho.  Merci, camarades!

A boa vizinhança

Não tenho tempo nem coragem para escrever sobre os resultados das eleições presidenciais, mas pelo menos podemos continuar a encarar bem os nossos vizinhos; eu no Bonfim mesmo ao lado de Campanhã, e o Rui em Paranhos. Já é qualquer coisa.

Avisos

Mais um longo e cinzento dia de Janeiro. A chuva parece mais ameaçadora do que nunca. Não é só a chuva e os contínuos avisos meteorológicos. Há mais qualquer coisa. Se acreditasse em Deus, talvez pensasse que era chegado o momento em que as forças sobrenaturais irrompem nítida e cruelmente pela realidade dentro. Como se existisse uma ligação misteriosa entre o estado do tempo e as notícias terríveis dos últimos dias. Lembra a atmosfera que Joseph Roth recria na Marcha de Radetzky . As sombras que antecedem a Primeira Guerra.

Voltar aos clássicos

Jean-Marie Straub: ... Digamos que uma humanidade que só se safa através da violência... é o que eu penso... é coisa muito grave. É muito grave e, um dia, vai ter de surgir outra coisa. Seja como for, vai ser preciso tratar das feridas... Aqui pelo contrário, o que surge lentamente e vai subindo, subindo, não tem nada a ver com um bálsamo. É o contrário. São as árvores da floresta que começam a andar. Danièle Huillet: Apertou o cinto? Jean-Marie Straub: Siga! Obrigado, amigo Às vezes confundimos a mesquinhez do mundo com ofensas ao mundo. Ah! Se houvesse facas e tesouras, escopros, chuços e arcabuzes, morteiros, foices e martelos, canhões, canhões, dinamite. Úlimo diálogo de "Onde Jaz o teu Sorriso?"(inclui, em itálico, uma fala do amolador de "Sicilia!"), Assírio & Alvim

Dia de eleições

O meu filho votou hoje pela primeira vez. No caminho para a assembleia de voto, lembrei-me dos últimos versos do poema «A alegria da maternidade», de Jenny Mastoráki, traduzido pelo Manuel Resende: A minha filha nasceu como todos os bebés. Ao que parece vai deitar fortes pernas para correr rápida nas manifestações. Ao meu filho, que nunca faltem as pernas para correr nas manifestações, as mãos para votar e a cabeça para pensar.

A Perfect Day

Uma adaptação do Tio Vânia. Quinze minutos e as personagens que estão em cena já se aborrecem. Chove. A tinta está a descascar das paredes e das portas. Pausa.  ELENA: Que belo tempo que está hoje... Não faz calor...  Pausa.  VÂNIA: Está bom tempo para uma pessoa se enforcar... Na literatura há mais intersecções do que coincidências

Ir sempre mais longe

Na sua Viagem a Itália , Goethe escreveu qualquer coisa que nos parece destinada. Sublinha uma diferença entre os Antigos e os Modernos que diz respeito precisamente a este ponto. Os Antigos, lemos, fizeram do existente, do terrível e do agradável, o pivot da sua representação, enquanto que se os Modernos se interessam por estes aspectos é pelo efeito que estes produzem. Mas quando o que interessa é a procura do efeito, conclui Goethe, o resultado não pode ser outro que não a hipérbole, a maneira, a afectação. Aquele que opera em busca do efeito não crê nunca tê-lo tornado suficientemente perceptível e deverá, portanto, ir sempre mais longe. É precisamente o que acontece hoje. Quem se preocupa ainda em suscitar julgamentos fundados? O que conta é, pelo contrário, solicitar e administrar as emoções: interceptá-las e fertilizar um terreno propício ao consumo de mercadorias, quer se trate de visões do mundo, de discursos, de imagens, de objectos ou de comunicações. Fabio Merlini, na revis
13 janeiro — Domingo de manhã. Um frio de rachar. Alguns transeuntes com ar destroçado ficam a olhar para mim — talvez me tomem por louco — a cantar a plenos pulmões canções húngaras. Este frio lembra-me os invernos da minha infância — (menos a neve com a qual este país não foi agraciado, infelizmente!), põe-me bem disposto. Reparei que estou quase sempre alegre quando todos os outros estão infelizes. Emil Cioran, Cadernos 1957-1972.

Práticas antigas

Uma das coisas que aprendi com a história é que aquela cena de queimar soutiens não é um exagero mas uma necessidade. Quando a pomos em prática percebemos que muitas vezes só assim conseguimos ser ouvidos. É um último recurso que salva o direito de expressão. Hoje queimei soutiens numa reunião zoom. Agora vou voltar a Cioran.

Influenciadores do século XX

 

O tempo dos Smerdiakoves

Continuo a pensar n’ Os Irmãos Karamázov . O livro de Dostoiévski deixa várias inquietações que não consigo ultrapassar.  Logo no início, o narrador explica que a personagem principal do livro é Aleksei. Paradoxalmente esta elucidação cria uma dúvida: porque é que ele tem de o dizer, não devia ser evidente ao longo da leitura do romance?  Se o narrador toma essa precaução é porque receia que Ivan Fiódorovitch se transforme na personagem mais importante. O episódio do Grande Inquisidor (onde Ivan cria um espaço autónomo de narração dentro do livro), as ideias e gestos radicais, o desvario mental e as febres são provas inequívocas. Além disso, Ivan é uma personagem compósita: tem o diabo como emanação (as febres e alucinações) e Smerdiakov como duplo ou, melhor dizendo, excrescência.  E esta é a inquietação mais grave. Esse tal Smerdiakov — criatura repelente em extremo — mostra-nos como os pensamentos podem apodrecer. A sua maneira de ser rancorosa, a forma rebuscada de se exprimir, as

Avante, Michael Kohlhaas!

Trabalho numa pequena agência de comunicação que, entre outras coisas, vende aos clientes um programa de responsabilidade social. Para além da discriminação que praticou na aplicação dos programas de lay off e retoma progressiva de actividade*, essa empresa não pagou o subsídio de Natal porque não tem dinheiro mas (descobri hoje no site da segurança social directa) pagou a TSU correspondente à segurança social porque quer continuar a receber ajudas do Estado.  Cada trabalhador tem de se transformar num síndico de si mesmo (grego súndikos , - os , - on , o que ajuda num tribunal) e avançar para o futuro como um cavalo. * Durante o estado de excepção que vigorou em 2020 e se prolonga em 2021, a lei laboral recuou para território inóspito deixando aos empresários a responsabilidade ética dos seus actos — ai de nós!

Alquimia

Há muito que o dono da casa, que o álcool não cansava, lutava no seu pequeno pavilhão de caça. Andava por ali com estranhos tubinhos de vidro, pequenas chamas, aparelhos. Corria o boato na região de que o conde queria fabricar ouro. De facto, parecia que ele se ocupava com pesquisas de alquimia disparatada. Se não conseguia fabricar ouro, sabia no entanto ganhá-lo no jogo da roleta. Deixava entender muitas vezes que tinha herdado um "sistema" seguro de um jogador misterioso que havia falecido há muito tempo. Joseph Roth, A marcha de Radetzky . Tradução de Maria Adélia Silva Melo.

Isto é um elogio

A mulher que fugiu é um bocado diferente dos outros filmes que vi de Hong Sang-soo: parece mais música ambiente, ou melhor musique d'ameublement,  conforme Satie a definiu .  Paradoxalmente, funciona quando estamos em silêncio numa sala escura — e os efeitos prolongam-se muito para além da sessão. — Gostaste do filme?  — Sim, é calmo. 

Cinefilia

Arroz de pato do Manuel Alves, salada, dois copos de Syrah do Tiago Cabaço, uma tangerina, café.  Acho que estou pronta para o filme do Hong Sang-soo.  Daqui até ao Trindade são dois quilómetros e meio.  Vou pelo sol.

O ódio tocou à campainha

O ódio tocou à campainha e nós abrimos a porta. Não precisou de esperar muito. Nós ouvimos bem. Temos uns ouvidos sensíveis. Bastou tocar uma vez. Estávamos à sua espera. Há muito que o esperávamos. Há mais de quarenta anos. Há séculos e séculos. Estamos sempre à sua espera. Nós gostamos do ódio. Gostamos que se sente à nossa mesa, que beba um cafézinho, um digestivo. Ou, se preferir, uma cervejinha e um pratinho de tremoços. Gostamos muito de o ouvir falar. Se não fosse o ódio, quem teria «a coragem de dizer as verdades»? O ódio «não tem medo das palavras». O ódio «fala claro para as pessoas lá em casa compreenderem». O ódio é «justo», o ódio é «bom». Foi ao ódio que «Deus atribuiu a missão de mudar Portugal». O ódio vai salvar-nos. Se não odiarmos, o que nos resta? Odiar-nos a nós mesmos?

Antes do sentido histórico

Tudo acontece de forma atabalhoada, parece que estamos dentro de um parque temático enorme e decadente. Vejo as fotografias da invasão do Capitólio e penso nas histórias e nas personagens de Saunders. Antes de ser arrumada nos manuais com uma boa dose de patine, a história é sempre assim — com este sentido de pressa e confusão?

Belo universo maldito

Encontrei a versão espanhola do Caderno de Talamanca , um livrinho menor de Cioran, uma espécie de diário de férias de verão. É tão estranho — mas também tão apetecível — imaginar Cioran ao sol em Ibiza. Não preciso de mais nada, passei-o à frente dos Cadernos de Paris.  Ibiza, 31 de julho de 1966.  Esta noite, completamente acordado por volta das três. Impossível ficar mais tempo na cama. Fui dar um passeio à beira-mar, levado pelos pensamentos mais sombrios. E se me atirasse do alto do penhasco? Vim para aqui pelo sol e não suporto o sol. Estão todos morenos, mas eu tenho de ficar branco, pálido . Enquanto me entregava a todo o tipo de reflexões amargas, olhei para estes pinheiros, estas rochas, estas ondas "visitadas" pela lua, e subitamente senti até que ponto estava ligado a este belo universo maldito.

Do outro lado do mundo

São oito e vinte da manhã. Saio para uma curta caminhada antes do trabalho. No céu limpo, resta ainda uma lua gigantesca, sem brilho, deixada para trás pela noite. Talvez do outro lado do mundo, um caminhante nocturno esteja agora a sondar, intrigado, o céu escuro, sem nuvens e sem lua.

Morrer de músculos tensos

A nossa falta de orgulho compromete a morte. Provavelmente foi o cristianismo que nos ensinou a fechar os olhos — a baixar o olhar — para que a morte nos encontre pacíficos e submissos. Dois mil anos de educação habituaram-nos a uma morte sensata e alinhada. Morremos para baixo , apagamo-nos na sombra das nossas pálpebras, em vez de morrer de músculos tensos, como um corredor que espera o sinal, a cabeça atirada para trás, pronto a enfrentar o espaço e derrotar a morte no orgulho e na ilusão da sua força! Muitas vezes sonho com uma morte indiscreta, cúmplice das expansões… Lágrimas e Santos, Emil Cioran (tradução a partir da versão francesa).

Dein Alter sei wie deine Jugend

Concluí a terceira revisão, acho que já posso arrumar “Lágrimas e Santos”. Como vou continuar na retoma progressiva não sei de quê, resolvi atirar-me a outro livro. Gostava de prolongar a relação com o Cioran romeno, mas acabou de sair uma tradução de “Nos cumes do desespero” e não vale a pena andarmos todos a roer o mesmo osso. Se não pode ser o jovem, então que seja o velho. Traduzir os “Cadernos” que tem uma data de páginas (1008, nesta edição ) — é coisa para me acompanhar até ao fim.  29 de setembro de 1970 Há cerca de dez anos, quando me queixei a um médico da minha má digestão, ele disse-me: “Tem de comer com alegria. — Se pudesse comer com alegria, não tinha vindo consultá-lo”, foi a minha resposta. Se penso nesta história, é porque me veio à memória a propósito da visita que S. Beckett fez recentemente a Jean Ménétrier, um médico um tanto herético, que sem mais nem menos lhe perguntou: “Você é optimista? " Fazer esta pergunta ao autor de Fin de Partie ! Emil Cioran, Cad

A lado nenhum. Nada a perder.

Aquele que nunca estudou os poetas ignora o que é a irresponsabilidade e o desleixo mental. Sempre que os frequentamos, sentimos que tudo é permitido. Não prestando contas a ninguém (excepto a si mesmos), eles não vão — nem querem ir — a lado nenhum. Compreendê-los é uma grande maldição, pois eles ensinam-nos a não ter mais nada a perder. Lágrimas e Santos, Emil Cioran (tradução a partir da versão francesa).

Hitchcock no Porto

A rua mais hitchcockiana da cidade é a Rua de António Cândido.

História alternativa

O momento presente é tão problemático para a ficção contemporânea como para a ficção científica, se não mais. Um romance pode demorar anos a ser escrito e um autor que trabalhe num romance que decorra no presente tem de assumir que o mundo não sofrerá alterações drásticas durante esses anos. Romances que estejam a ser escritos neste momento correm o risco de parecerem datados quando forem publicados, que é uma coisa com a qual os seus autores provavelmente não estão familiarizados. Creio que tanto os escritores como os leitores deveriam considerar isto como um lembrete de que a ficção não precisa de se situar na realidade actual para ser relevante para as nossas vidas. (...) Há imensa ficção científica que decorre no passado e muitas vezes coincide com o género denominado "história alternativa", que explora outras trajectórias que a história poderia ter tomado. Isto relaciona-se com o que afirmei acima: uma série de romances contemporâneos tornaram-se agora ficção de históri

O ano seguinte

A notícia mais auspiciosa sobre 2021 é a estreia de alguns filmes de Hong Sang-Soo .  Com sorte, vai ser um ano em que não se passa quase nada .