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«Há aqui uma festa organizada para nós p’la magia»

Na Gata Borralheira e na Branca de Neve tudo acontece no «doce sonho». O sonho que «vai e vem como as ondas do lago». Quando o Forasteiro da Bela Adormecida , vindo de um outro reino – que reino? –, arranca as personagens do seu «sono secular», elas queixam-se porque não queriam ser acordadas. Diz o Almoxarife: «Durante o sono, não fluía tudo, e excelentemente não nos sentíamos todos?» Mas em que mundo despertam elas? O Forasteiro: «Não será o real também um sonho, não seremos todos, apesar de igualmente agirmos acordados, algo sonhadores, sonâmbulos em pleno dia, que brincam com ideias e agem como se estivessem acordados?» Nas histórias de Robert Walser, realidade e sonho confundem-se, são sinónimos. É impossível perceber onde acaba uma e começa o outro. Onde termina o conto de fadas e começa o seu avesso.

Robert Walser vai ao cinema e diverte-se à grande

Finalmente acabei o artigo sobre Robert Walser para o Manual de Leitura do TNSJ . Demorei mais tempo a corrigir do que a escrever. Talvez por isso consegui que a forma se fosse ajustando às ideias (lição de Huillet e Straub), dando origem a um texto saltitão, cheio de acrobacias superficiais. Para comemorar o feito, vou fazer um rösti de batata .

As boas percepções

Para que exista uma verdadeira segurança no nosso comportamento e na forma como sentimos o mundo, é preciso que exista sempre um tudo-nada de oscilação, de flexibilidade. O chão debaixo dos nossos pés pode e deve oscilar e, para podermos manter o nosso rumo em direcção à perfeição, precisamos de ter continuamente a percepção de que não nos dominamos ainda perfeitamente e de que, porventura, a nossa evolução não está ainda completa.  O Salteador, de Robert Walser. Trad. de Leopoldina Almeida. Relógio d’Água. Janeiro de 2003.

Frases finais de alguns contos de Walser

«Com uma risada, bebi a minha cerveja e parti.» «Quem tem vontade de amar levanta-se dos mortos, e só quem ama está vivo.» «Sebastian, por sua vez, fez-se ao mundo e com o tempo tornou-se célebre.» «E assim a nossa história chegava a um fim feliz: e é isso o mais importante, quer dizer que amanhã o tempo vai estar bonito.» «E com isto tomo a liberdade de declarar que esta história chegou ao fim.» «Foi com o coração pesado que me decidi a contar esta história.» «Este burlesco texto em prosa deixou-me sério.»

Talvez sim, talvez não

«E assim teríamos um final/ agradável com um casório/ feliz», dizem todas as personagens a uma só voz, na última cena da Bela Adormecida . Parece o final feliz de um conto de fadas, mas não. O verbo no condicional – «teríamos» – abre uma ferida na história. Walser escreve a última frase com uma navalhinha.

Como pode ser verdade se tu dizes que é mentira?

O que é «verdade» e o que é «mentira» nos dramalhetes de Walser? Quando é que as personagens estão a ser «verdadeiras» e quando estão a «mentir»? Alguém na mesa diz: talvez a verdade esteja na mentira. Quer dizer, quando estão ostensivamente a «mentir» é quando as personagens são mais «verdadeiras».

Experiência

No monólogo do Príncipe da Gata Borralheira , de Walser, substituir o sapato de prata, que parece «ter boca e o dom da fala», pela caveira de Yorick. E na cena do cemitério, em  Hamlet , substituir a caveira do bobo do Rei pelo sapato da Gata Borralheira .

Eu e o Príncipe ficamos a assistir

A certa altura, a Rainha chama o caçador e manda-lhe que represente a cena do assassínio fingido de Branca de Neve: Como se fosse verdade, representa-nos aqui a cena da Branca de Neve em perigo na floresta. Faz como se a quisesses matar. E tu, menina, foge como se fosse a sério. Eu e o Príncipe ficamos a assistir, censurando-vos se fordes demasiado mansos no desempenho dos papéis. Ora bem, começai. De repente, Hamlet irrompe no conto de Walser . A peça dentro da peça, outra vez. Fantasmas por todo o lado.

Trabalho de mesa

A actriz lê uma fala da Gata Borralheira para a Primeira Irmã: Estou aqui sempre a teus pés. Deixa que beije a tua mão, doce mão que nunca me bate salvo por justo castigo. Teus olhos miram-me como um sol. Sou a terra que vive do bondoso beijo e que outra coisa nunca poderá fazer senão, deleitada, florescer ao teu encontro. A actriz interrompe, de súbito, a leitura e comenta: «Isto é tão perverso!»

e ainda hoje vou

«Ao sair, depus na mão do criado uma nota de cem. Ele devolveu-ma dizendo que estava habituado a valores mais elevados. Pedi-lhe que se contentasse com menos, só desta vez. Lá fora, esperava-me um carro que me levou dali, e assim fui e ainda hoje vou.»  O jantar de Robert Walser. Trad. de José Maria Vieira Mendes. Revista Ficções, Tinta Permanente, 2002.

Literatura desviante

Da página 10 à 18 de O Salteador , de Robert Walser, encontramos as seguintes referências gastronómicas: umas costeletas das mais suculentas; ao almoço, costumava haver esparguete; uma sanduíche de presunto; uma fatia de tarde de queijo acompanhada de um café; frango e salada; um belo assado; pequenas tabletes de chocolate; pauzinhos de chocolate. É uma por página. Dá para perceber logo que se trata de um romance desviante.

Livros

No quadro, Madame Ginoux está sentada a uma mesa de café. Sobre a mesa, três livros, um deles aberto. Van Gogh pintou-a no momento em que ela levanta os olhos do livro e fixa a atenção em qualquer coisa que está «fora de campo». Robert Walser escreveu sobre este quadro. Um texto de três páginas onde fantasia sobre tudo, excepto os livros. É como se não fizessem parte da imagem.

«Nos filmes que vi, aparecia frequentemente uma criança como personagem principal. »

Já tenho uma lista de alguns filmes que Robert Walser viu e outra de filmes baseados em textos seus. Agora estou a fazer uma muito mais divertida: filmes que talvez agradassem a Walser. The Kid (1921), de Charles Chaplin. The Three Musketeers (1921), de Fred Niblo. Dr. Mabuse, der Spieler (1922), de Fritz Lang. The General (1926), de Buster Keaton. Birds of paradise (1932), King Vidor. La Nuit du Carrefour (1932), de Jean Renoir.  Me and my gal (1932), de Raoul Walsh. Vampyr (1932), de Carl Dreyer. Zéro de Conduite (1933), de Jean Vigo.  I Walked with a Zombie (1943), de Jacques Tourneur. Mr. Verdoux (1947), de Charles Chaplin. The Strange woman (1947), de Edgar G. Ulmer. Peccato che sia una canaglia (1955), de Alessandro Blasseti.  The Night of the Hunter (1955), de Charles Laughton. Judex (1963), de Georges Franju. Cours du Soir (1967), de Nicolas Ribowski. Цвет граната (1969), de Sergei Parajanov. Peau d'Âne (1970), de Jacques Demi.  Quatre Nuits d'un Rêveur (1971...

Temos aqui uma situação

 « (...) Quanto a mim, já me diverti bastante com encenações e representações de terceira categoria. As coisas mais refinadas nem sempre são as mais digeríveis...» Caminhadas com Robert Walser, de Carl Seelig. Tradução de Bernardo Ferro. BCF editores. Abril de 2019.

Série C

Deve ser uma desforra. Bastou-me formular o pensamento da impossibilidade de adaptar os textos de Walser ao cinema, para não me faltarem ideias divertidas  para filmezinhos walserianos.

Walser e o Cinema (uma aproximação breve e provisória)

Tenho de escrever um texto sobre as relações – ou possibilidades de relações – entre Robert Walser e o cinema. A minha primeira frase foi assertiva: (pela sua exuberância e quebra de regras) os textos de Walser não são propícios a adaptações; quanto às idas aos cinemas-cabaret na Berlim imoral, alinho. Branca de Neve abre e logo a seguir fecha o único caminho que consigo ver (em termos de estrelas curriculares, é um dos melhores filmes falhados que conheço).  Mas ontem de manhã, na praia, tive uma ideia para um filme (curto, curtíssimo) que envolve Walser.  Hoje voltei à mesma praia e fechei a planificação – até vi o genérico. Ficou tudo azul e verde diante dos meus olhos . Oh!