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Juste une image

Em 1976, as pessoas de Trás-os-Montes não gostaram da cena da neve. Acharam que os denegria, que não correspondia à realidade, que ninguém é tão pobre que coma neve.  A própria Margarida tinha algumas reservas: Essa ideia foi mesmo do António. Significava uma pobreza extrema. E claro que a neve não alimenta. Eu ai pus uma certa reserva. A neve é bonita mas não alimenta. E também não era neve... É qualquer coisa da produção, uma espécie de espuma... Eu aí reagi um bocado. Primeiro porque não alimenta. Segundo porque não era verdade... Pus uma certa reserva. Mas a única reserva que ponho actualmente é a lentidão. Dura muito. A duração dessa plano devia ter sido encurtado .  Mas a força da cena vem precisamente da sua profundidade e da sua  duração ; quando vemos a neve (apanhada, servida, comida) paramos e temos tempo para compreender o que é a pobreza e, se dermos um passo atrás, o que é uma imagem.  Há palavras de Kafka em Trás-os-Montes , mas esta imagem — destemid...

A estranheza do branco

Quatro horas de caminhada. A Beauce completamente coberta de neve. Frio intenso: 5°. Avanço nesta pequena estrada que mal se distingue da camada branca: um simples ponto na imensidão. Estou impressionado com a estranheza do branco. Diz-se, creio, branco como a morte. Sensação de caminhar noutro planeta. Total irrealidade. O sol alinhava no jogo. Também ele irreal. Se todo o universo estivesse contra mim, se eu fosse execrado quer por homens quer por deuses, nada me podia tocar ou abalar: que se pode fazer contra um ponto? um ponto no meio de uma extensão cor de nada? um nada no inexistente?   Emil Cioran, Cadernos 1957-1972 (3 de janeiro de 1971)