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As lágrimas são mais salgadas

A grande literatura húngara não é a que celebra o esplendor de uma Hungria heróica, mas a que denuncia a miséria e as sombras do destino húngaro. O próprio Petőfi, cantor da pátria e do Deus dos magiares, fustiga o egoísmo inerte dos nobres e a indolência da nação. Endre Ady canta a «tétrica terra magiar», define-se como «tristemente magiar» e proclama que «os Messias magiares são mil vezes Messias», porque no seu país as lágrimas são mais salgadas e eles morrem sem nada ter redimido. Quem nasce na Hungria paga um tributo à vida, porque a Hungria — diz-nos outro poema — é um fétido lago da morte; os Húngaros desgastando-se são «os bufões do mundo» e o poeta carrega dentro de si, dorido, a planície melancólica. A literatura magiar é uma vasta antologia dessas feridas, desta sensação de abandono que induz os Húngaros a sentirem-se como diz uma poesia de Attila József, «sentados na borda do universo». László Németh, o chefe de fila dos escritores popularizantes, falou de uma condição de «

A alma que perdeu as asas

Há vinte e três anos (em 1937) escrevi um livro inteiro sobre lágrimas. E depois, sem derramar uma única lágrima, nunca mais deixei de chorar.  Quantas horas não terei passado a pensar nas lágrimas que não derramei, que não pude derramar! Vivi toda a minha vida com a sensação de ter sido afastado do meu verdadeiro lugar; se as palavras «exílio metafísico» não tivessem nenhum significado, a minha existência dar-lhe-ia um. Não podemos ser menos deste mundo do que eu — por isso é que pensei tanto em lágrimas. Podia escrever um livro inteiro sobre elas; aliás, escrevi um em romeno . Sentir a própria carne a chorar, o sangue a carregar lágrimas, é do interior de sensações semelhantes que se compreende Plotino quando ele diz que a existência cá em baixo é «a alma que perdeu as asas».  Ter escrito um livro inteiro sobre lágrimas (e santos) — de certeza que isso tem um significado profundo. Tudo o que escrevi reduz-se a isso, a lágrimas agressivas .  Um troglodita e um esteta .   Emil Ciora

A tua mais completa tradução

Ao mesmo tempo que tento arranjar as palavras mais convenientes para traduzir as confissões e pensamentos irrequietos dos Cadernos , alguma coisa acontece — não é bem uma influência, é mais da ordem do parentesco, creio.  Dou por mim a querer oferecer coisas a Cioran; até um cão já me passou pela cabeça.  Dou por mim a vê-lo como um mestre de artes performativas  ( que, ao ser proferido, corresponde à acção a que se refere ). Começa por fazer de filósofo, de escritor, de místico, de estrangeiro, etc., mas o grande golpe é quando interpreta o ser humano — aí, Cioran supera-se.  As lágrimas, de novo. Uma palavra irradiante.

Teoria Geral das Lágrimas

Em termos de definição, basta o verbete do dicionário: gotas líquidas que saem dos olhos, por efeito físico ou por causa moral .  Mas como conceito, as lágrimas de Cioran são a coisa humana mais parecida com a música. Só percebi isso agora. Ele queria escrever uma peça musical — uma fuga , talvez.

Dia e noite

Muitas vezes ponho-me a pensar nos eremitas de Tebaida, que cavavam uma sepultura para aí derramar lágrimas dia e noite. Quando lhes perguntaram a razão da sua aflição, responderam que choravam a sua alma. Lágrimas e Santos, Emil Cioran (tradução a partir da versão francesa).

“O mundo engendra-se no delírio, fora do qual tudo é quimera.”

É a primeira vez que traduzo um livro de uma ponta à outra (nunca cheguei a terminar os “Postes de Ângulo”). Assumi o título quase literalmente a atirei-me ao trabalho como uma missão. Demorei mais ou menos um mês a  traduzir as cento e tal páginas folgadas de “Lágrimas e Santos” (versão impressa no formato 11X17 cm). Uma ou duas horas por dia, de segunda a sexta, como se fosse um emprego em part-time. Agora vou passar mais de três meses a substituir as palavras, alterar a ordem. É um biscate, mas parece uma guerra — vamos a ver o que sobra.

Corrida de obstáculos

Para ocupar cinquenta por cento do meu tempo de trabalho — agora e possivelmente até ao fim do ano — livre, pensei traduzir as Lágrimas e Santos do Cioran de uma ponta à outra. Decidi continuar a ler Dostoiévski para aquecimento e preparação, como se fosse uma prova de atletismo. Os Irmãos Karamázov estão a revelar-se uma verdadeira musa, quero dizer, tusa, não, púsia, púsia — assim é que é.

Maneiras e lágrimas

Ainda sobre a cena dos “pensamentos duplos”, é aí que Keller diz duas das falas mais engraçadas do livro sobre maneiras : — Quais esmeraldas? Oh, príncipe, o senhor vê a vida ainda com tanta inocência e ingenuidade, vê a vida, pode até dizer-se, de maneira pastoril! — Impossível?! — exclamou Keller pesaroso. — Oh, príncipe, até que ponto o senhor continua a compreender uma pessoa, por assim dizer, à maneira Suíça! E utiliza sete vezes a palavra “lágrimas” no seu choradinho, chegando ao ponto de exclamar: (...) Deste modo, preparei a confissão como quem, por assim dizer, prepara uma “ fines-herbes de lágrimas” (...). Ora, com tantas maneiras bucólicas e lágrimas frequentes, como é que Cioran não havia de ler, reler, gostar dos livros de Dostoiévski?

Mais lágrimas

"Em todo autor existe" escreve Sanda Stolojan, "uma imagem-chave que responde a uma obsessão profunda e reveladora. Assim é a imagem das lágrimas e do seu corolário, o pranto, ao longo da obra de Cioran ... Em "Lágrimas e Santos" , ele prevê o dia em que se arrependerá, em que ficará envergonhado, por ter amado tanto os santos e "o misticismo, essa sensualidade transcendente". Ele separar-se-á dos santos, das suas efusões, mas o adeus ao lirismo não apagará em si a imagem e o pensamento que o obcecam "

Teoria Geral das Lágrimas

Na idade em que, por inexperiência, ganhamos gosto à filosofia, decidi, como toda a gente, escrever uma tese. Que tema escolher? Queria um ao mesmo tempo corriqueiro e insólito. Quando achei que o tinha encontrado, apressei-me a comunicá-lo ao meu mestre. — Que pensa de uma Teoria Geral das Lágrimas? Sinto-me à altura para a trabalhar. — É possível, disse ele, mas vai andar aos papéis para encontrar uma bibliografia. — E isso que importa? Toda a História por inteiro me apoiará com a sua autoridade, respondi com um tom de impertinência e triunfo. Mas como ele, impaciente, me deitou um olhar de desdém, resolvi de imediato matar o discípulo em mim. Emil Cioran, Silogismos da Amargura.