[Cioran tem jeito para escrever insultos. Não recorre nunca a lugares comuns nem a palavras gastas. Pelo contrário, preocupa-se em encontrar os adjectivos mais intensos e adequados à ofensa. Trata-se de um trabalho moroso e frágil — lamentavelmente nem sempre apreciado. Nos seus exercícios insolentes (são tantos, muitos deles contra si próprio), o filósofo eleva o francês ao nível de uma língua profunda e musical: os insultos quase parecem elogios. Talvez isso aconteça, também, porque estas palavras de afronta são arrancadas das entranhas — Cioran é um tipo antiquado que ainda escreve com os órgãos. Em termos literários, são mais poesia do que certos poemas coxos que por aí andam. Merecem ser lidos em voz alta, num palco? — sim, onde podem revelar todo o seu dramatismo. E até algumas lágrimas.] Encontrei X por acaso — sempre essa mistura desconcertante de crápula e louco, mas no fundo inapreensível: um homem que nem sequer tem a noção de “veracidade”, fisiologicamente “inexacto” e amo...
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral