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A mostrar mensagens com a etiqueta Alda Rodrigues

Variações sobre um tema ou — Babylone, à nous deux !

«Os bons tradutores não interpretam só as palavras.»  Alda Rodrigues, Simpatia inacabada #5, 15 de março de 2023. À primeira vista, traduzir não tem nada a ver com representação teatral. A tradutora está metida no seu quarto, sozinha, horas a fio, enquanto a actriz se move em cima de um palco iluminado a falar para o público.  Mas depois de contornarmos essas pequenas evidências, podemos muito bem afastarmo-nos a correr, movidas por ideias caprichosas, e então começamos a perceber que traduzir e representar podem ser — são mesmo — movimentos afins.  Afinal, a tradutora não está fechada num quarto, já saiu pela janela e vai para todo o lado atrás das ideias e das palavras impressas. Interpreta o texto e o autor; ensaia os seus gestos até o movimento sair automaticamente, sem pensamentos analíticos — até as palavras e as frases encontrarem um ritmo instintivo: uma coisa nova . E agora é como se estivesse em cima de um palco iluminado com uma luz escura a representar para uma audiência de

Não é assim tão simples

“Tenho de falar inglês de um modo que não revele a minha personalidade”, respondeu. “A tradução é assim. A personalidade do tradutor tem de se esconder.” “Estás a dizer que te escondes dentro de todas as línguas que traduzes? Como alguém se esconde numa floresta? Encolheu os ombros. “Não é assim tão simples.” Depois riu-se. O homem que via tudo, de Deborah Levy. Tradução de Alda Rodrigues.

O que não se consegue perceber a cem por cento

Um dos meus parágrafos preferidos de Walden , talvez o preferido, é este, na secção “Economia”:   “Há muito tempo perdi um cão de caça, um cavalo baio e uma rola; procuro-os até hoje. Falei com muitos viajantes sobre eles, descrevendo os seus percursos habituais e os chamamentos a que respondiam. Um ou dois tinham ouvido o cão, o galope do cavalo e até visto a rola desaparecer atrás de uma nuvem, parecendo tão ansiosos por encontrá-los como se eles próprios os tivessem perdido.” ( minha tradução, para a Relógio D’Água ).   Gosto particularmente desta passagem pelo facto de resistir às explicações dos comentadores,  que a consideram o momento mais enigmático do livro. Todos os livros deviam ter passagens que os leitores, os comentadores e os tradutores não conseguem perceber a cem por cento — e que os autores não querem decifrar. Os estudiosos tentam identificar as possíveis referências do cão de caça, do cavalo baio e da rola que Thoreau menciona, especulando que devem ser pessoas, mas

Depois do fim dos contos de fadas

(...) Tendo em conta que vários escritores e personagens literárias tiveram profissões semelhantes, vamos chamar-lhe R. W.  (...) será que R. W. só conseguia escrever disfarçando que estava a escrever, enganando-se a si mesmo e à linguagem, a ponto de nem a linguagem nem ele já acreditarem que escrevia? (...) Com esta solução, talvez também R. W. estivesse a empurrar o sentido para longe, em vez de o tornar explícito. Talvez temesse ou desprezasse o sentido. Sentir-se-ia mais próximo das coisas sem sentido ou condenado a elas? Só sabemos que já não queria copiar nem passar coisas a limpo. R. W. não servia para o que os outros queriam — e «aquilo que os outros querem» é uma boa definição de «sentido».  (...) Walter Benjamin — chamemos-lhe W. B. — comparou as personagens de R. W. com as figuras dos contos de fadas, porém depois do fim dos contos de fadas: já passaram por todas as metamorfoses e todos os sofrimentos e percursos que tiveram de cumprir dentro da lógica dos contos de fadas,

Cismar

(...) Naquele tempo, ainda se usava um sinónimo ligeiramente depreciativo do verbo «pensar»: de acordo com a avó, que já não vivia noutro continente, a mãe passava o tempo a «cismar». É um verbo que aparece nos poemas de Florbela Espanca. Cismar é o que acontece quando o pensamento não vai a lado nenhum. Em vez de progredir, o pensamento repisa e repete, sem conseguir avançar. Quem cisma não encontra o que não perdeu, mas continua a insistir. Se pensar é procurar coisas que não sabemos que estão lá, cismar é procurar coisas que sabemos onde estão.(...)

Sapatos vermelhos:

Ponto 1. Reconheço, tenho um grande interesse por sapatos. Pelo objecto (desenho, materiais, classificação, desgaste), mas principalmente pelos conceitos que se podem associar aos sapatos, que aliás estou sempre a associar (deve haver uma sociedade qualquer — inglesa, sem dúvida — sobre este tipo de relações intelectuais com sapatos). Ponto 2. ( en passant ) O ponto anterior explica porque fiquei tão contente quando descobri a  faca de papel#7 sobre sapatos vermelhos  (entre outras considerações). Obrigada, Alexandra. Bravo!