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A mulher e o seu saco

«Uma das características das mulheres é andarem sempre com sacos. Cada saco corresponde a um nível de acção específico. Na bolsa, trazem os documentos, o telemóvel quando não está nas mãos, lenços de papel, um livro, chocolates, ganchos, elásticos, uma chupeta, e mais alguns objectos estranhos. A mochila é para transportar o computador portátil. Um saco grande desportivo para as idas aos ginásios. A bolsa térmica com o almoço. Sacos com coisas que vão comprando de manhã e à hora do almoço para levar para casa ou para as casas das senhoras doutoras onde trabalham.» Há um ano, quando escrevi estas notas, achava que os sacos mostravam a posição social (quanto maiores, quantos mais sacos, menos dinheiro?) — um pouco à semelhança da roupa.  Depois de ler o texto de Ursula K. Le Guin , percebi que os sacos tem outro poder: contam histórias. Histórias que ninguém escreve.

E de nós, o que faremos?

É nos transportes públicos que se vê melhor o quanto as mulheres portuguesas mudaram desde o 25 de abril. Vê-se na forma arejada como se vestem e falam umas com as outras ou com os homens; como andam de cabeça erguida; como sabem que ainda estão no princípio.  As mulheres das classes mais ricas ficam de fora do retrato porque não andam em transportes públicos. Como são conservadoras, suspeito que não mudaram assim tanto.

Uma madeixa cor-de-rosa

Vinha da biblioteca, no 305, a ler a introdução de Catherine Grant ao livro Porque não houve grandes mulheres artistas? , de Linda Nochlin , quando reparei na mulher que se sentou no lugar lateral mesmo à minha frente. Era bonita, devia ter setenta e tal anos, estava de roupa ligeira, sapatilhas e tinha uma madeixa pintada de cor-de-rosa. Entre o livro e ela havia uma ligação, não de causa e efeito como determina a nossa pequena lógica, mas de possibilidade e libertação. É por causa deste livro e de outros semelhantes que esta mulher pode pintar uma madeixa cor-de-rosa. 

Mulheres doentes

Os meus «escritos» só tiveram algum sucesso junto das mulheres, de umas quantas, muito raras. Encontro a explicação para isso na sentença tão justa de Hipócrates: «A mulher é a doença.»  Uma pessoa saudável não pode interessar-se pelo que faço.     Emil Cioran, Cadernos 1957-1972  (setembro de 1964)