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A nossa língua italiana

Tenho uma predilecção por ensaístas italianos. Deve ser qualquer coisa que há na língua e passa das palavras para os pensamentos. É fácil recorrer ao lugar comum da musicalidade, mas na verdade acho que não é bem uma questão de música, é antes da música. Talvez seja ar — como se corresse sempre um vento que nos impele para qualquer coisa?

Composto para o refrigério dos espíritos

Cioran é um tipo esquisito — nisto todos concordam. Está na filosofia como se estivesse sentado na esplanada do café, ensimesmado, sempre a ruminar nos mesmos assuntos, cabelo no ar, leituras e releituras a mais, praticando um francês de meteco, sem pensamentos excepcionais mas, acima de tudo, sem método nem maneiras (aliás, acho que é por isso que a academia e a crítica encartada o rejeitam ou, pelo menos, torcem o nariz aos seus aforismos aflitos). A objecção mais comum é que ele repisa o que já foi dito e pensado e é muito teatral (ahah! o espírito balcânico). Um chato ou um charlatão da disciplina que não chega aos calcanhares de não sei quem. Os ataques atingem o alvo, é verdade, mas apenas porque a noção de filosofia usada é bastante burocrática. Precisamos de um conceito mais dinâmico — os êmbolos do pensamento ao ritmo dos pedais . Se Cioran não diz (quase) nada de novo, di-lo, ainda assim, de uma forma incomum e torrencial. Privilegia a linguagem vulgar, as palavras banais da

Sinfonia de uma pequena cidade

Obras na avenida Fernão Magalhães (sul). Obras no prédio ao lado (traseiras, norte). Obras no apartamento em frente (a toda a volta). No segundo andar, o médico toca piano (escadas).

O vírus é a música

A progressão de um vírus implacável sobre fundo primaveril (folhas, flores, pássaros) Ah, isto é o que Jean Renoir dizia: "Por que raio é que, numa cena de amor em que o actor diz à actriz je t'aime a música também há-de dizer je t'aime ? Porque é que a música não diz estou-me nas tintas para ti?" O vírus é a música.

Os peixes sonhadores

As postas de salmão já acabaram; a bancada está agora preenchida com as cabeças dos peixes: gordas, em linha, viradas para cima. Reconheço na imagem qualquer coisa de religioso e infantil. Mas é defeito do meu olhar, se fosse verdade ouvir-se-ia música.

Mas, na manhã seguinte

(Depois dos espargos, do folar de azeitonas, do salmão fumado e do vinho do Douro — fórmula petisco improvisado — não me apeteceu trabalhar. Sentei-me na varanda a aproveitar o sol e a ler mais umas páginas d’ O Leão de Belfort e agora já sei demasiado, pelo que vai ser difícil defender a crítica a uma obra baseada apenas num parágrafo. Vou tentar não fugir do risco. Dentro do possível.) A questão geográfica. No excerto referido é apenas o parêntesis (ou seja, a Paris), a Rue Lemercier e o bairro de Batignolles, mas isso basta para prevermos (o plural define os leitores habituais do Alexandre Andrade) deambulações várias pela cidade, viagens de metro e autocarro. E, num salto completamente bem executado, a geografia mistura-se com a arquitectura, e entramos nas casas quase sempre pequenas e alugadas, nos quartos, nos corredores e escadas. É uma espécie de guia, mas ao contrário, em que o objectivo principal (a esperança, diria até) é desviar-nos do caminho certo. Ou, pelo menos, enc