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Felicidade de raivoso

O amor é um sentimento bastante anormal, pois é acompanhado por todos os estados confusos que normalmente caracterizam uma mente perturbada: angústia, desespero, desconfiança mórbida, lampejos de felicidade, egoísmo levado à ferocidade etc. É uma felicidade de raivoso. Emil Cioran, Cadernos 1957-1972

A vida é terrível, mas muito divertida.

Acontece quando Lisa se encontra com Bruno; acho que é nessa altura que Iris Murdoch resolve agitar as coisas. Só nos apercebemos disso indirectamente e um pouco mais tarde porque na verdade não vemos o que se passa com os nossos olhos e o caso criado por Iris Murdoch é de “ver para crer”.  Danby, que presenciou esse encontro entre Lisa e Bruno, é o primeiro a ver outra Lisa e fica tão transtornado que a procura, aborda-a na rua, puxa-a para o lado (nota etimológica: seduzir vem do latim seducere que quer dizer "levar para o lado") e depois, já dentro do cemitério, diz que a ama, que viu e acredita. Mais tarde escreve numa carta: É uma coisa muito diferente dos afectos corriqueiros e insignificantes e da simples vontade de ir para a cama com alguém. Sinto neste caso uma espécie de destino . É uma paixão desse tipo: exaltada, plena, orgulhosa. Parece que Danby está a entrar para uma ordem religiosa, que compreendeu o mistério do universo. Ora bem, esse encontro de Danby com

Traduzir

Traduzir enfrenta os mesmos problemas triviais que as relações amorosas, pelo menos quando se traduz para ler . Há um vínculo de grande apego (às vezes, mais do que um vínculo, é uma vala onde podemos cair e morrer — um ou dois, de longe a longe). Mas também pode surgir, de repente, uma vontade irresponsável de trair. O engraçado é que essa traição revela, ou anseia revelar, uma ligação ainda mais forte e secreta. Quer dizer, ao contrário do amor, aqui os dois movimentos vão no mesmo sentido.

Oh, o amor intergeracional.

Amo-te Joana

Num painel informativo da estação de metro do Marquês, alguém escreveu: «Amo-te Joana Couto-S. Teu… Hugo.» Podem cortar as árvores dos jardins e derrubar todos os muros. Os livros podem acabar, a literatura desaparecer, o papel extinguir-se. Mas nunca acabarão as declarações apaixonadas por escrito, em locais públicos ou proibidos. Talvez esta seja a prova definitiva da nossa fé no poder da escrita. Mesmo quando o amor se apagar, restarão aquelas longas e perenes reticências.
Como contar, outra vez, uma história de judeus em fuga? Christian Petzold escolheu um modo arriscado de responder a uma pergunta difícil. Ao transpor a deriva de Georg para o nosso tempo, sem roupa da época, sem símbolos nazis, sem qualquer artifício, “Em Trânsito” adquire uma força potencial — como se fosse filmado sobre um vulcão adormecido. A perseguição não é sequer um facto que podia ter acontecido aos nossos avós ou aos nossos pais; a distância foi suprimida — estamos dentro da fuga, da incompreensão, da vergonha, da infâmia, da burocracia, do desespero. Somos obrigados a pensar o que se passa sem os rodeios da História, de uma forma mais crua, talvez, e também mais sensível. O que acontece, outra vez, ao amor num sistema opressor? Cada uma das personagens tem a sua história para contar e, dadas as circunstâncias, precisa de o fazer o mais depressa possível. O filme vai guardando esses relatos que se assemelham a gritos surdos. Melissa, Driss, o maestro, a arquitecta, o médic

Não te queixes

No metro, duas mulheres conversam sobre coisas mais ou menos triviais. A certa altura, a minha atenção emaranha-se no fio da conversa. Comentam os pormenores de uma qualquer aventura amorosa entre dois personagens que ambas conhecem. Fico interessado: — Eu avisei-o: se gostas dela vai à tua vida. — Pois, fez muito bem… — Mas depois não te queixes, disse-lhe eu. Podes voltar para casa, mas não te queixes. Mantive os olhos fixos no livro para parecer distraído. A conversa avançou com mais um ou outro pormenor sobre o caso. Percebi que falavam de um gato doméstico já perto da minha paragem.

Cartas de amor

A fotografia estava entre as páginas de um livro que comprei na Vandoma. Uma edição brasileira de «Contos Soviéticos» , de 1944 (Empresa Gráfica «O Cruzeiro», Rio de Janeiro). Não tem nenhuma informação na frente ou no verso, mas foi tirada em Portugal, certamente entre os anos 70 e 80. O livro também não está assinado. O edifício que enquadra a imagem parece ser uma fábrica. Quem são estes personagens? Operários da fábrica? Administrativos? Membros da direcção? Porque decidiram eles fazer as fotografias do casamento (presumo que após a cerimónia religiosa) no cenário cinzento da fábrica e não, como se fazia na época, na praia ou num jardim? Que idade teriam eles? Vinte e poucos? Trinta? Hoje terão sessenta, setenta. Estarão vivos? Tiveram filhos? Para onde corriam? Ou de que passado escapavam eles? O corpo do homem parece querer levantar voo e levar a rapariga com ele. O livro inclui uma história de Nadejda Aleksandrovna Lokhvitskaya, escritora muito pouco «soviética», que se exilou