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ZOV #2

Rui Manuel Amaral é um escritor cheio de dúvidas e isso é uma sorte. Só alguém assim, tão ferido na fé literária, consegue escrever histórias que ainda nos atiram ao chão . A número dezoito (páginas 91 e 92) é exemplar: parece um andaime precário em redor de um edifício destruído há muito, tomado pelas heras.  Beckett e Cioran passaram uma noite a discutir a tradução da palavra lessness para francês. Não conseguiram. É uma tarefa impossível. Pois bem, este pequeno texto de Rui é a representação desse substantivo que nos foge. Abre com uma sombra e acaba num esgar de riso amargo. O narrador começa por lançar os dados, mas os dados fogem; começa a urdir uma trama, mas a trama desfaz-se. Ele é teimoso, continua uma e outra vez, sem receio, sem sair do sítio. Vacilar é a arte dos juncos e ele faz-se junco e ventania. No fim, chega ao vazio total. É onde estamos todos.  DEZOITO Uma sombra veloz atravessa a cena. Não, não apenas uma sombre, obviamente. Um homem e a sua sombra atr...

ZOV #1

Desde que li ZOV , não paro de encontrar personagens do livro por aí à solta. Hoje de manhã, um homem desatou a dar socos no ar na praia de Leça. E eu pensei com os meus botões [ botões na praia não, pensa com outra coisa ]: olha, mais um tipo inventado pelo Rui.

Apoio à Retoma Progressiva

Podia ir à falência no stand da Snob . Em vez disso: Fiz uma aposta com Henri Lefebvre. Abri o livro à sorte. O olhar (tão contrário às técnicas publicitárias) fugiu para o canto superior esquerdo: “Em Setembro de 1967, Jacques Tati oferece o guião de Playtime aos bulldozers que deitam abaixo os cenários do filme.” Juntei as peças que faltam a Walser (os livros da BCF tem um formato porreiro para ler no metro, mais ou menos dez páginas por viagem) e a Denis Johnson. O problema é que os Bazarov (e logo esses, caramba) ficaram a zurzir-me na cabeça.

Messias e rinocerontes

Numa peça de 1948, Virgilio Piñera conta a história de um simples barbeiro de bairro, chamado Jesus , que os vizinhos declaram tratar-se do novo Messias. O pobre barbeiro rejeita tal predicado e nega todos os milagres que lhe atribuem. Os discípulos, porém, transformam cada coincidência (os pais chamam-se Maria e José) e cada palavra de Jesus num motivo de encantamento. Ora, vítima de tão excepcionais e involuntárias circunstâncias, vê-se forçado a enfrentar o fanatismo popular e a proclamar a sua condição de “Não-Jesus”. Desta maneira, nega não apenas a sua condição de Messias, mas também a sua própria identidade, uma vez que efectivamente se chama Jesus. O problema assume proporções inimagináveis: o Vaticano envolve-se no assunto (aconselha-o a não confirmar nem a desmentir a fé do povo na sua suposta natureza divina, Vox populi vox Dei ) e as autoridades públicas exigem-lhe que realize façanhas prodigiosas. Por compaixão, ajuda algumas pessoas que lhe pedem milagres e que, por iss...