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Um momento de expectativa

Segundo os meus parâmetros , os cartazes da exposição de Rui Chafes em Serralves convertem o escultor em filósofo — filósofo da matéria, digamos assim.

Um refugiado em casa

Nada do que li de Cioran me esclareceu tanto sobre a complexa e delicada trama do seu espírito como aquela visita, há mais de 20 anos, na companhia de Fernando Savater. Fomos vê-lo às suas águas-furtadas no Bairro Latino — uma chambre de bonne de um ascetismo semelhante ao de Dreyer, pintada de branco até ao chão e com uma salamandra de ferro no meio, certa tarde de fevereiro ou março, já não me lembro, com um frio de rachar. A salamandra, que parecia uma divindade primitiva e malévola naquele refúgio evidentemente santo, estava apagada. Nessa altura, Savater andava a traduzir Cioran para aquela editora Taurus dirigida por alguém que ainda não tinha conseguido enobrecer o sangue, e ninguém conhecia o romeno. Recordo que naqueles anos não muito distantes de 70 houve uma greve de lixeiros em Paris e a cidade estava coberta de lixo. As ratazanas roçavam as pernas dos transeuntes e um fumo excrementício emanava das montanhas de matéria decomposta. Todos os dias, enquanto durou a greve, Be...

Os sapatos de Pascal

Já não sei como é que começou esta mania de associar a filosofia a sapatos e botas, mas a verdade é que volta e meia lá avanço mais uma casa neste jogo particular. Desta vez, descobri isto no livro “A caballo entre milenios” , de Fernando Savater: El encanto de Cioran reside en que expresa los vapores del spleen romántico con una prosa disciplinada en el potro de tortura de los moralistas clássicos: como apuntaba con agudeza Adam Gopnik en un artículo aparecido hace pocos días en el New Yorker, “efectúa los paseos de Baudelaire con los sapatos de Pascal”. — É uma descrição formidável.

Telepatia

Fiz uma busca em quatro línguas, mas não consegui encontrar nenhuma ligação entre os aforismos de Cioran e a palavra telepatia. É pena, parece-me que tudo na palavra — até o seu ar vagamente de pacotilha — ajusta-se bem aos pensamentos de Cioran. Há alguns anos escrevi isto: Corpo e sombra só se conhecem telepaticamente . Se calhar serve para colmatar a falha — uma tradução apócrifa, uma nota de rodapé encontrada fora do sítio, calçar os sapatos dos outros, qualquer coisa desse tipo.

Chapéus e sapatos

Ninguém pode pensar por mim um pensamento, da mesma maneira que ninguém pode por mim pôr o chapéu.  --- Os filósofos usam uma linguagem que já se encontra deformada, como que por sapatos muito apertados. Ludwig Wittgenstein, Cultura e Valor, tradução de Jorge Mendes, Edições 70.

Ah look at all the ordinary people

Escolhi esta imagem inspirada numa leitura apressada do texto do António Guerreiro. Achei que (para além dos chapéus de Martin Parr ficarem bem perto aos sapatos vermelhos de Mark Power), de alguma forma, a fotografia de Parr representava a transformação dos pobres em classe média e também para mais tarde me lembrar de seguir um raciocínio que começa aqui e sabe-se lá onde vai parar. Mas já percebi que me meti numa alhada. Martin Parr. Kentucky Derby. USA. 2015. © Martin Parr | Magnum Photos

Sapatos vermelhos:

Ponto 1. Reconheço, tenho um grande interesse por sapatos. Pelo objecto (desenho, materiais, classificação, desgaste), mas principalmente pelos conceitos que se podem associar aos sapatos, que aliás estou sempre a associar (deve haver uma sociedade qualquer — inglesa, sem dúvida — sobre este tipo de relações intelectuais com sapatos). Ponto 2. ( en passant ) O ponto anterior explica porque fiquei tão contente quando descobri a  faca de papel#7 sobre sapatos vermelhos  (entre outras considerações). Obrigada, Alexandra. Bravo!

Serviço ocasional

Ainda não eram oito horas. Um par de sapatos verdes, de camurça, estava pousado no chão junto à paragem do autocarro. Sapatos de mulher, com pala, usados mas em bom estado. Parece um sinal de Rivette. Espero, com grande entusiasmo, os próximos lances.