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Oráculo

O tempo arrefeceu e fui desenterrar do armário um casaco mais quente. Do fundo dos bolsos, saltaram duas máscaras dos anos da pandemia. Como os velhos adereços do oráculo numa tragédia.  A peste não vai acabar. E a guerra, como papagueiam os comentadores mais excitados, é «eterna».

A Veneza do bairro

As gôndolas avançam. Deslizam suave e silenciosamente, em todas as direcções. Há uma certa música no ar. Por trás das máscaras, os gondoleiros navegam nas águas paradas dos seus próprios sonhos. Percorrem os corredores do supermercado, entre a peixaria e o talho, em busca das promoções.

O medo

Os outros têm medo de nós porque nós temos medo deles. Nós temos medo dos outros porque eles têm medo de nós. As máscaras não quebram o círculo vicioso. Pelo contrário, são a mais pura expressão gráfica deste estranho terror.

Invisível

Coloco a máscara. Saio de casa. Os óculos embaciam imediatamente. Tiro-os e guardo-os no saco. Imagino que se me cruzar com um amigo, de máscara e sem óculos, não me irá reconhecer. Imagino que avanço pela rua como se fosse invisível. Que não sou daqui nem de lado nenhum. Acho graça à ideia. Não, não acho graça à ideia.

Máscaras e palavras

Sou meio duro de ouvido. Acontece-me por vezes não perceber à primeira o que me dizem. Por timidez, nem sempre peço para repetirem. Com as máscaras, o problema generalizou-se e eu desisti. Há conversas em que consigo perceber apenas algumas palavras. Mas será que ouço as palavras correctas ou simplesmente imagino-as? Quantos diálogos extravagantes não têm acontecido nestes tempos de pandemia? Quantas histórias paralelas não têm vivido as pessoas duras de ouvido?

Máscara e dioptrias

Óculos embaciados na padaria. Óculos embaciados na frutaria e no supermercado. Óculos muito embaciados nos transportes públicos. Óculos embaciados nos correios, na mercearia e no cinema. Um tempo baço, fosco, obscuro. Mal se vê para fora e pouco se vê para dentro. Também a imaginação anda com as lentes embaciadas.

Protocolos

Desconfio que os portugueses vão usar a máscara social  do mesmo jeito que decidiram vestir os coletes refletores nos bancos dos carros. Les portugais sont toujours gais. C’est ça le miracle.