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A última cena

Quando as raparigas invadem a sala do Moulin Rouge para dançar (assim como A Regra do Jogo prevê e antecipa a guerra, French Cancan festeja desvairadamente o fim da guerra, que alegria tão distante, ai de nós!), Danglard fica nos bastidores a ouvir a musica à distância, sozinho.   Bom, sozinho até me lembrar de Straub no fim de Onde jaz o teu sorriso?

Estamos perdidos

Straub dizia que se não fizesse filmes seria bombista. Pedro Costa faz as duas coisas ao mesmo tempo: fecha-se numa garagem com a sua pequena equipa durante meses a construir pacientemente um engenho fatal. Quando as imagens e o som são projectados, explode qualquer coisa dentro de nós. Oh!

Para o matadouro

1. O encontro de Thursday com Cochise em Fort Apache é brutal — não só pelo massacre consequente, mas principalmente pelas ressonâncias políticas que ainda hoje provoca. Tudo o que o chefe apache reclama ao tenente-coronel é justo e devido. Em oposição, o comportamento dos americanos é infame: Thursday não respeita o acordado, menospreza os conselhos de York e as reivindicações de Cochise e ataca (aliás, já tinha decidido isso na véspera). Como é fácil de prever, a desproporção dos americanos e a colocação táctica dos índios transforma o confronto numa carnificina. 2. O capitão Kirby York foi sempre contra esta estratégia ambiciosa e cega, mas no fim, perante os jornalistas, (depois de um brevíssimo estremecimento?) mente e glorifica o impiedoso tenente-coronel. Straub pergunta: Como pode a história oficial ser o tapete sob o qual escondemos as falhas de uma nação; e a democracia, o tecido com que os bárbaros se vestem de respeitabilidade? Essa última cena é terrivelmente amar...

A Barcelona

Retrospectiva i cartablanca a Paulino Viota:   Las ferias,  José Luis,   Tiempo de busca, Fin de un invierno,  Duración, Contactos,  Con uñas y dientes,  Cuerpo a cuerpo,  (P. Viota) Der Bräutigam, die Komödiantin und der Zuhälter  (Danièlle Huillet i Jean-Marie Straub) Staroie i novoe (S. Eisenstein) Hatari! (Howard Hawks) The Sun Shines Bright (John Ford) Roma (F. Fellini) Bande à part (Jean-Luc Godard)

Quarteto de cordas (no meio do Atlântico)

Escrevi um texto para os Encontros de Cinema do Fundão em que me aproximo dos filmes de Huillet, Straub, Godard e Costa através da música. Os textos que escrevo não são términos, ficam sempre a meio do caminho para outra coisa; e agora que ando a ler o livro de Jacques Rancière sobre (os quartos de) Pedro Costa, principalmente nas conversas com Cyril Neyrat, percebi que mais do que leviandade ou teimosia, o meu gesto tinha um desígnio escondido.  Na verdade, fiz o que fiz também para evitar um olhar demasiado preso às imagens e significados. Pedro Costa é bom, é mesmo muito bom, a construir imagens simultaneamente perturbadoras e belas e eu queria libertar um pouco os seus filmes de tanta interpretação estética. Porque nós somos assim: mal vemos uma imagem, parecemos polícias ou psicanalistas, levantamos um inquérito e queremos saber o que é que ela significa. As garrafas verdes cheias de pó junto à janela passam a ser una natureza morta (ou um plano-almofada?) que é preciso diss...

Sagen Sie’s den Steinen

Apetece brincar à cama de gato e pegar nas linhas éticas/estéticas com que o Luis Miguel Oliveira juntou Trás-os-Montes , No Quarto de Vanda e Sicília! e, seguindo a minha pancada por pedras, mudar a forma para: Trás-os-Montes , The Searchers , Antígona . — Rui! Rui! Que pedra é esta?  — É a pedra do raio! Quando há trovoada muito forte, cai o raio, entra pelo chão adentro…então fica lá uma pedra muito pesada e muito escura!

Uma história de sentido ainda oculto

Uma das coisas bestiais dos mortos é que aparecem de imprevisto. O meu fim-de-semana foi inteiramente assombrado/iluminado por Cesariny. No sábado, Pedro Costa explicou que o título do filme sobre Danièle Huillet e Jean-Marie Straub começou com a longa cena do sorriso quântico de Silvestro, passou moto-contínuo para o segundo plano de Von heute auf morgen , e daí para o grafito no muro: Wo liegt euer Lächeln begraben ?! Mas a tradução literal para português tinha um ritmo pesado, então o Pedro pediu a alguém para pedir ao Cesariny um golpe de asa . E o jovem mágico das mãos de ouro decidiu muito depressa ( como se fosse de moto ) cortar uma palavra: Onde jaz o teu sorriso escondido ? Só isso. Outra vez a tal redução que intensifica, a elipse que ilumina, o suspiro que se transforma num romance. No domingo, na A3 a caminho de Famalicão, vi um cartaz verde com o nome de Cesariny. Tinha mais palavras escritas mas só li Cesariny, ali sobranceiro à auto-estrada, no meio das árvore...

Coisas escondidas

Uma vez que se tratou de uma encomenda, Onde jaz o teu sorriso?  não devia ser o filme mais indicado para descobrir Pedro Costa. É certo que ele definiu que a melhor forma — a única, aliás — de filmar Danièle Huillet e Jean-Marie Straub era a trabalhar; encontrou uma porta, uma janela e os sítios justos para pôr a câmara; e manteve-se extremamente atento e discreto. Enfim, fez a tal redução que, no fundo, é uma concentração.  Mesmo assim, é assombroso que um filme deste tipo, com constrangimentos e que esteve tão perto de não ser realizado, consiga apanhar tão profundamente não só as características mais inteiras e humanas de Huillet e Straub, mas também o lado mais escondido de Pedro Costa.  «Se houver uma longa paciência, estará carregada do seu contrário, (...) estará carregada de ternura e violência», diz Straub.

Er ist das Einfache / Das schwer zu machen ist

A conferência de Bernard Eisenschitz foi interessante e inspiradora. A ideia de fazer um apanhado de pequenas histórias ( anedotas , no sentido das de Kleist) sobre os filmes de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub é óptima porque consegue projectar na obra que os dois construíram (filmes simples, difíceis de fazer) um segundo vento que dá prazer e faz sorrir — e tudo que contraria a idolatria no amor é revigorante.  A própria conferência deu origem a duas anedotas. Os problemas na passagem de excertos de som e imagens (parecia que estávamos numa colectividade sem equipamentos) foi, obviamente, a piscadela de olho habitual a Tati (já tinha apanhado o barulhinho das sapatilhas do fotógrafo sobre o chão de mármore do átrio). A outra é de ordem textual: na sua intervenção, Bernard Eisenschitz utilizou várias vezes a palavra comunista e até citou o elogio de Brecht (tantas vezes usado por Straub) que explica que o comunismo é a coisa mais simples que há e a mais difícil de executar ( E...
O último plano de Folhas Caídas liga directamente aos Tempos Modernos de Chaplin, isso é evidente. Mas também me lembrei de uma coisa que Jean-Marie Straub disse a respeito do bloco sobre o regresso do prisioneiro de Comunistas : que tinha vontade de filmar um par de namorados sem lhes mostrar os rostos.  E ali estão: ele de pé ela sentada, de costas, na varanda, virados para a rua.

As minhas datas-chave

Sou mais velho do que Baudelaire quando dizia que tinha mil anos, por isso:  1842. A floresta alemã é interdita aos pobres (madeira morta, cogumelos, castanhas, etc.); converte-se num local de exploração industrial. O jovem Karl Marx insurge-se; o que lhe custa o emprego de jornalista na Gazeta da Renânia.  Inverno de 1942. Estou a patinar no Moselle coberto por uma espessa placa de gelo. ESTALINEGRADO! «Finalmente o princípio do fim», diz o meu pai.  1945. Alguns dias antes do fim da guerra, só para impressionar Estaline, os B17 americanos bombardeiam duas vezes uma das mais belas cidades alemãs, Dresden, destruindo-a e causando mais vítimas (civis) do que as bombas (atómicas) lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki para nos libertar do «perigo amarelo».  Até 1948. A ESPERANÇA! Leis da concorrência. Nacionalizações, expropriações (a família Renault, por exemplo). O PLANO (económico) francês é mais audacioso do que o de Walter Ulbricht na República Democrática Alemã ...

Os assalariados vão ao cinema

Ontem depois da sessão de Kommunisten , fui levar o Rui a casa. Quando estávamos a chegar a Antero de Quental, comentámos que antes do cinema tínhamos arrumado a casa e feito sopa: o jantar já estava guiado. E aí percebi claramente que Jean-Marie Straub fez o filme para nós, pobres assalariados — para podermos lavar os olhos no pouco tempo que nos sobra.

Selfie XIV

Os protocolos oficiais aborrecem-me, mas gosto de criar pequenos protocolos pessoais que passam despercebidos. Por isso e apesar de não estar frio, vou levar o meu cachecol vermelho para a sessão de Kommunisten . É um gesto mais ou menos entre o cepticismo de Godard e John Wayne num filme do Ford. Cada um segue os modelos que pode.

Os olhos não querem estar sempre fechados

Um dos obstáculos ao trabalho de Huillet e Straub é o próprio cinema, isto é, a forma como ele se optimizou para ser uma actividade extremamente lucrativa que começa e acaba em classificações: a produção define o tipo de história (policial, comédia romântica, musical, etc. etc.), arranjam-se verbas enormes de financiamento, formam-se equipas (talvez fosse mais certo dizer esquadrões?), o filme entra no ciclo rápido de execução e, no fim da linha de montagem, os críticos classificam-no com estrelas. Trata-se de toda uma constelação fictícia, tão alheada do que se passa em redor que é raro encontrarmos nesses produtos audiovisuais a mais pequena centelha de vida — se cheiram a alguma coisa é a dinheiro. Mas é esse cinema que as pessoas reconhecem e esperam encontrar nas salas e na televisão, nos computadores e nos telemóveis. É uma corrente de imagens com uma força incrível que varre tudo e que já passou para as séries e para a publicidade e para a comunicação unipessoal das redes so...

Um filme de Danièle Huillet

Na apresentação de L’itinéraire de Jean-Bricard (2008) na Cinemateca Francesa, Jean-Marie Straub afirmou, para surpresa e confusão de todos, que se tratava de um filme hitchcockiano. Ele gostava dessas frases bombásticas e, creio, num sítio cheio de cinéfilos, deve-lhe ter dado ainda mais gozo deixá-los de boca aberta. No entanto, tudo o que ele diz é verdadeiro, mesmo que se encontre sob o efeito de fogo de artifício. Depois de recusar os raciocínios mais evidentes (e falsos), acabei por perceber que talvez Straub se referisse ao método. O filme já tinha sido discutido e estava todo planeado. No fundo  L’itinéraire de Jean-Bricard já existia, só faltava filmar . É nesse sentido que é hitchcockiano. É nesse sentido que é um filme (essencialmente) de Danièle Huillet. 

Mulheres, homens e árvores

Por um improvável alinhamento das leis da física, cruzámo-nos no fim-de-semana com Chantal Akerman, Danièle Huillet e Jean-Marie Straub. No sábado, vimos D'est e, no domingo, Europa 2005, 27 Octobre , Le Genou d’Artémide e Itinéraire de Jean Bricard . As semelhanças entre D'est (1993), de Akerman, e Itinéraire de Jean Bricard (2007), de Straub/Huillet, são muito surpreendentes. Em ambos os filmes, há longos travellings laterais sobre elementos ordenados em filas. Filas de pessoas à espera de um comboio, de um autocarro ou de vez para comprar pão, em vários locais do Leste da Europa, em Akerman. Filas de árvores , nas margens do rio Loire, em Straub/Huillet. As pessoas lembram árvores de um bosque, as árvores lembram pessoas paradas no Inverno.  Em ambos os filmes, há um mundo em extinção. Em D'est , o fim do bloco soviético. Em Itinéraire …, o fim da paisagem natural da Île de Coton, ameaçada por um desastre ecológico.  Nos dois, o som dominante em grande parte das seq...

Uma certa alegria enterrada

Uma das piores coisas que podem fazer aos filmes de Huillet e Straub é cortar-lhes o diálogo, apresentá-los como obras cinematográficas desgarradas ou, pior ainda, como  objectos artísticos . Esse isolamento não é mais do que um caminho de redução, esquecimento e morte. Pela minha parte, faço tudo o que posso para os aproximar do ar livre, dos outros, dos meus pequenos gestos diários (ajudam-me tanto a ver a ouvir e a descobrir no fundo de tudo uma certa  alegria   enterrada ). No sábado levei Karl Rossmann ao Nimas para falar de O sangue .  Amanhã, levo o método de Trop tôt, trop tard para encostar a D’est,  de Chantal Akerman .

Verde, vermelho, laranjas

Não é nenhum mecanismo expositivo , é uma consequência natural mas inesperada. Como estimulamos muito os receptores à cor verde lá dentro, quando saímos da exposição dedicada a Huillet e Straub as paredes brancas junto à porta ganham a cor complementar vermelha. Vou considerar isto uma resposta cromática dos mortos. *** Mesmo ao lado da Casa de Cinema Manoel de Oliveira há um quintal onde crescem laranjas — restos de uma zona que foi rural antes de ter sido apropriada pelos ricos. Sobre o muro, uma rede verde corta a vista; no topo da rede, três câmaras de segurança. As laranjas estão vedadas e, no entanto, são elas que nos aproximam de Sicília!
Desta vez, Antígona  pareceu-me claramente um western como os de John Ford. Bom, entusiasmei-me, devia dizer que o filme faz parte dessa família, um ramo menos cavalgante, sem dúvida. Consigo arranjar quatro provas: Creonte e Antígona têm o ímpeto físico dos actores de Ford; o teatro do Segesta, na Sicília, faz lembrar um daqueles tribunais onde o realizador americano mostra a ruindade dos poderosos e a solidão dos justos; é o filme com mais pedras que já vi; e, como diz Straub, «John Ford ainda é o mais brechtiano dos cineastas, porque mostra coisas que fazem com que as pessoas pensem raios me partam, isto é verdade ou não ?»

A revolução do tigre

Talvez Cézanne seja o filme mais elucidativo de Huillet e Straub. Elucidativo no sentido concreto de trazer luz às obsessões e métodos de trabalho do pintor, mas também ao modo como os cineastas vêem a realidade e se afadigam para a registar em película, na sua integridade e não em aparências vãs. Se olharmos com atenção (como não fizeram os tipos do Museu d'Orsay), conseguimos perceber o imenso labor envolvido neste filme. Na escolha dos excertos das conversas com Joaquim Gasquet é visível mais do que concordância, uma afinidade participativa, digamos assim. Huillet e Straub são solidários praticantes com todas aquelas afirmações intensas sobre a atracção pela matéria e o desprezo por distracções de estilo ou interpretação. A austeridade de Cézanne é a austeridade de Huillet e Straub. (Não se enganem, porém, se o caminho é de pedras, o resultado é, pelo contrário, sumptuoso. Ricos e plenos, assim são os quadros de Cézanne e os filmes de Huillet e Straub. Como se diz das uvas q...