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Mensagens

A mostrar mensagens com a etiqueta redes sociais

Solidariedade

Sessão de solidariedade com o povo palestiniano. A livraria está cheia. Alguém lê um poema: «… os meus dias estão salpicados de sangue e de perdas irreparáveis…» Um tipo, sentado à minha frente, fotografa com o telemóvel as suas pomposas sapatilhas amarelas. Faz várias imagens, de diferentes ângulos. A leitura prossegue: «… o fogo rodeia-me por todos os lados…» O tipo escolhe uma fotografia e exibe, orgulhoso, as sapatilhas amarelas nas redes sociais. Espera cinco segundos pelos primeiros likes . Reage com um emoji sorridente a um comentário. Ao lado, encostada à parede, uma rapariga de 18 ou 19 anos, escuta o poema abraçada a um boneco de peluche que trouxe de casa. «… nem mesmo aos meus inimigos fidagais desejo este inferno…» Um rapaz também quer ler um poema. Pousa o gin-tónico, compõe o gesto e começa. Não há dúvida de que sabe ler. Talvez seja um actor. «… os nossos ossos hão-de ser Inverno para queimar à lareira…» A amiga dele grava tudo com o telemóvel. Aplausos, aplausos. O ra...

Errata

A imprensa devastará o que a sífilis deixou. As causas dos amolecimentos cerebrais do futuro já não poderão ser determinadas com segurança. (Karl Kraus, na tradução de Lumir Nahodil) Primeira errata: onde se lê «imprensa», deve ler-se «televisão». Onde se lê «sífilis», deve ler-se «imprensa». Segunda errata: onde se lê «televisão», deve ler-se «redes sociais». Onde se lê «imprensa», deve ler-se «televisão».

Aquela que duvida (selfie V)

Entre outras coisas, não estar nas redes sociais e ter um telemóvel de vinte euros descreve-me como uma pessoa antiquada — o que não é completamente errado. Aos poucos, essa falha comunicacional começa também a qualificar-me como pessoa suspeita — talvez também não seja completamente errado, mas prefiro a palavra “duvidosa”.

Fadiga da Ucrânia

Os analistas e comentadores encontraram um termo novo para embrulhar os tópicos relacionados com a guerra: a «Fadiga da Ucrânia». O termo não se refere ao cansaço dos ucranianos após meses de guerra, morte e destruição, mas ao nosso cansaço no chamado «Ocidente». Segundo os analistas e comentadores, «o cansaço já é visível». E é visível onde e em quê? Um artigo de hoje no Público explica: «As interacções nas redes sociais (likes, comentários, partilhas) caíram 22 vezes entre a primeira semana da guerra e a última semana de Maio: de 109 milhões para 4,8 milhões. (...) Durante um período de seis semanas, entre Abril e Maio, houve seis vezes mais interesse em notícias sobre o caso Johnny Depp-Amber Heard do que sobre a guerra na Ucrânia.»

Redes sociais (uma escala)

Escrever num blogue é mais ou menos como conduzir um carro numa auto-estrada à noite (médios). As passagens de leitores via facebook e twitter parecem o clarão dos faróis de um carro na faixa contrária (máximos). Não confundir com luar (mínimos).

Corcundas

Leio numa revista que o famoso editor da Adelphi , Bobi Bazlen, tinha ganho uma corcunda, em resultado das longas horas passadas a ler com a cabeça apoiada numa pilha de almofadas. Esse defeito físico adquirido com a leitura «fazia com que a sua cabeça estivesse sempre ligeiramente avançada em relação ao corpo». Pergunto-me que espécie de corcundas ganharão os leitores dos nossos dias, esses leitores que passam mais de metade da vida a ler publicações nas redes sociais.

Fumo

Leio no jornal um texto sobre movimentos sociais no Porto que reivindicam o direito à habitação. A socióloga Inês Barbosa, que estuda o assunto, diz que são, quase sempre, fenómenos pontuais e efémeros. Na verdade, não devem ser considerados sequer «movimentos sociais» porque «não são consistentes e têm tendência a esfumarem-se com rapidez.» Tal como aparecem, por vezes até com algum impacto público, desaparecem no momento seguinte. É como se tudo à nossa volta seguisse hoje uma espécie de padrão facebookiano . Um protesto pelo direito à habitação tem o mesmo valor de uma publicação nas redes sociais: de manhã aparece no mural e gera «reacções», à tarde não.