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A mostrar mensagens com a etiqueta João César Monteiro

Palavras de outra ordem

Num dos seus discursos recentes, Pedro Nuno Santos disse: «O Portugal que queremos construir é um Portugal onde todos têm lugar , onde ninguém é esquecido, onde ninguém é invisível e fica para depois.» A referência ao Teatro Natural de Oklahoma é evidente. No cartaz junto ao Estádio do Mar, Mariana Mortágua é empurrada para a acção com a frase «não lhes dês descanso» — sem dúvida, uma variante de «vai e dá-lhes trabalho!».  São palavras fortes e necessárias. Espero que eles estejam à altura das citações.

O Executor

Divirto-me muito a conversar com o chatGPT. Acho que o vou convidar para a consoada.

Piolhos e percevejos

Que uma das frases mais antigas do mundo guarde a vontade de arrancar piolhos já é um dado muito interessante para a história da humanidade. Mas se fizermos uma montagem arriscada e deslocarmos as palavras gravadas no marfim para dentro do filme Vai e Vem,  a carga semântica explode como fogo de artifício: consigo ver João Vuvu com o pente na mão e até o oiço a ler a benção com o tom de quem diz uma didascália.  O cinema liga bem com a arqueologia.

Selfie VII

Eu a corrigir as traduções de Cioran (uma e outra vez).

A/C João César Monteiro

Em Brunschwig, vendeu-se em hasta pública, por uma soma muito elevada, um chapéu confecionado com os pêlos mais íntimos de uma jovem. Aforismos, de Lichtenberg. Tradução de João da Fonseca Amaral. Livro B da Editorial Estampa. Lisboa, agosto de 1974.

Não ouvimos ninguém até sermos ouvidos

Tenho andado a seguir o caso do padre de Fafe, mas os artigos que vou encontrando por aí são fracos — os jornalistas não leram Camilo. No entanto, dei agora com este texto na página do Facebook da Confraria Nossa Senhora das Neves. Isto sim, é esclarecedor e faz raccord com a humidade do João César Monteiro — um documento, portanto.

Sexo senil

Numa entrevista ao jornal Público , Júlio Bressane comenta a propósito de João César Monteiro: O Monteiro também foi uma descoberta tardia, infelizmente. Todos os seus filmes são extraordinários. Aquele Recordações da Casa Amarela , uma obra-prima! O outro, Vai e Vem , todos os filmes dele… É um cineasta de uma força e coragem enormes. São filmes que trabalham com pathos! Que têm um tema que é um outro estado de espírito no homem: o sexo senil. A exposição do sexo senil, o grande mito do homem, o mito da potência... Ele expôs justamente o que é a vida e o destino. Eu acho que é o único director que fez isso de forma voluntária! Involuntária muita gente fez, mas voluntária foi o Monteiro. Ele não é apenas um grande diretor, é um grande artista. Dificilmente se poderia imaginar melhor definição para os filmes de João César Monteiro. Uma espécie de curto-circuito entre a cabeça e o sexo: um corpo impotente a braços com uma imaginação transbordante.

Cena 12

Dia. Exterior. Som directo. Sentada entre ruínas, de perfil para a câmara, uma velha, da qual se vê apenas a cabeça. Ao fundo, dominando quase toda a superfície do enquadramento, a abertura rectangular do que devia ter sido uma janela dando para uma paisagem de campo suburbano com um monte que se recorta contra o céu. VELHA: Ai o meu filho! Travelling óptico, muito lento, em direcção à janela. A velha fica fora de campo. VELHA (Off): Neste país, os velhos morrem como cães. O movimento óptico já deixou para trás a janela e, agora, é apenas visível a paisagem que aqui se indicou, na convicção de que não se pode indicar tudo. Final do movimento óptico. João César Monteiro, Fragmentos de Um Filme-Esmola / A Sagrada Família (1972).

Comédia de Deus

Henri Lefebvre escreve: «Em 1921, para um filme de Marcel Duchamp, é pedido a Man Ray que rape os pêlos púbicos da muito excêntrica baronesa Elsa von Freytag-Loringhoven; o filme foi destruído durante a sua revelação.» Os pêlos da baronesa aparecem várias décadas mais tarde na colecção secreta de João de Deus, no filme Comédia de Deus , de João César Monteiro.

Falam com grande gravidade e, apenas, o estritamente necessário.

João César Monteiro: Os diálogos que escreveste para o Mudar de Vida do Paulo Rocha também são resultantes de uma investigação prévia? António Reis: Nesse caso, a natureza dos diálogos deve-se primeiro, a um espírito muito conciso que tenho na poesia: o seu aspecto descarnado é também peculiar à região dos vareiros da Afurada, que eu conhecia. Havia uma certa afinidade com a maneira de falar da região porque eles falam com grande gravidade e, apenas, o estritamente necessário. Para além disso, o Paulo Rocha ia tratar um tema que eu estudara na adolescência, e isso foi determinante. Praticamente, vi sempre o diálogo na boca das pessoas. Por isso, tem muitos silêncios, muitos  staccatos , uma pontuação cinematográfica. Na verdade, julgo que criei um diálogo para cinema. Com esta sorte também: é que, na expressão poética eu era muito económico e conhecedor dos vícios em que se incorreu ao utilizar o diálogo como suporte de muitos filmes e estava, por assim dizer, alertado contra esse
Da humidade e do cotão — uma perspectiva sobre a obra de João César Monteiro Podia ser uma tese de setecentas e tal páginas com frases transparentes e pensamentos densos, densos de tudo aquilo que se lhes escapa .

Território espiritual

A maior parte das vezes também penso que não deveríamos dizer nada sobre Robert Walser — uma gentil retribuição da nossa parte. Mas somos sempre tentados, ah! descobrir uma palavra particular, uma frase, uma imagem que nunca ninguém viu e que se aproxime da doçura e da crueldade e que tenha profundidade não saindo do mais rasteiro e por aí fora no desvario. Acabamos afogados (João César Monteiro, por exemplo, afogou-se na escuridão e na humidade com extrema verticalidade), mas isso também não é mau. Porque em Walser é sempre tudo bom e alegre, mesmo quando choramos. Principalmente quando choramos.