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Ofício

Ontem à noite vi O Discípulo , de Chaitanya Tamhane. Não é um filme sobre a perfeição ou a «excelência», mas sobre a mediania. E isso impressionou-me. Como é que um artista mergulhado até à obsessão na sua arte suporta a evidência de que nunca será excepcional? E estando mais ou menos conscientes disso, o que leva os artistas medíocres ou medianos, que são quase todos, a devorarem-se uns aos outros, como peixes de dentes afiados num lago turvo, movidos pela inveja e o ressentimento? Como escapar a tudo isto? Como ser honesto? Desistir é um acto de coragem ou de cobardia? E ao contrário: um artista verdadeiramente excepcional pode ser imune a concessões, mentiras, mitificações? De onde vêm os raríssimos génios? Que mistério é este?

Consolo

Para mim, é um mistério livros interessantes como os de Schopenhauer (e os meus!) não encontrarem leitores. Schopenhauer detestava Hegel. Dizia sempre: esse bronco do Hegel! E para desafiar Hegel, tinha fixado o horário das suas aulas na universidade de Berlim ao mesmo tempo que as de Hegel, resultando que a sala de Hegel estava sempre cheia quando a dele estava sempre vazia... Mas Hegel e Schopenhauer tinham argumentos par demonstrar que um génio não pode ter sucesso, uma vez que ultrapassa o seu tempo. É por isso que o génio é incompreensível e não serve para ninguém. Assim, Schopenhauer e eu encontramos consolo! Witold Gombrowicz, Curso de Filosofia em Seis Horas e um Quarto . Tradução de Telma Costa.

Marcas do génio

[Robert Walser] entusiasma-se ao falar da "curiosa mestria" de um Charles Dickens ou de um Gottfried Keller, em cujas obras o leitor nunca sabe se há-de rir ou chorar. Trata-se seguramente de uma das marcas do génio. Eu comento: "Isso também acontece frequentemente nos seus livros." Ele pára subitamente no meio da estrada, com um tremendo solavanco, faz um ar muito sério e dirige-se-me num tom suplicante: "Não, não! Peço-lhe encarecidamente que não volte a mencionar o meu nome em conjunto com o de tais mestres. Nem sequer deve sussurrá-lo. Ao ser mencionado na sua companhia, só me apetece enfiar-me num buraco!" Carl Seelig, Caminhadas com Robert Walser . Tradução de Bernardo Ferro.

Deixem-nos lá

Os do Orfeu são apenas simuladores. É evidente que quem quizer ser estravagante tem de se assemelhar aos loucos. O terreno comum onde se encontram é o disparate. Em França, com os romanticos, sucedeu um pouco o mesmo. Para escandalizarem a susceptibilidade burgueza, passaram a andar vestidos de côres berrantes, de maneira diferente de todos. Baudelaire um dia (...) teve a excentricidade de pintar os cabelos de verde. Os amigos, que já estavam prevenidos, não fizeram caso. Baudelaire, que queria causar impressão, ficou fulo por não lhe ligarem importancia. E tratou logo de rapar o cabelo á escovinha (...). É evidente que estas creaturas não são absolutamente equilibradas. Mas também não é justo chamar-lhes doidos. Deixem-nos lá. Júlio de Matos, jornal A Lucta , 11 de Abril de 1915. Citado por Jerónimo Pizarro em Fernando Pessoa: entre génio e loucura , p. 209.