Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens com a etiqueta Oh - a literatura!

Schöne Welt, wo bist du?

Se a Sally Rooney fosse portuguesa, o João Pedro George já a tinha esfrangalhado (i.e., exposto as fragilidades, o fastio e o tremendo emproamento) nas páginas da Sábado. Podíamos rir um bocado, coisa que as personagens não sabem fazer (nem a própria Sally Rooney, desconfio), e já não se perdia tudo.  Sempre que um livro encaixa nesse conceito foleiro de escrita geracional ou é canalizado, imediata e apressadamente, para as adaptações televisivas, é sinal que o princípio activo da literatura está em falta. Por mais influências sonantes que se apregoem. Aliás, às vezes até são as influências que dão cabo do trabalho (?) (ver o modo como Sally Rooney chegou ao título).

Мода и вышивка

Uma das coisas que mais aprecio nos livros antigos que seguem as hierarquias literárias, são as relações entre autor, narrador(es) e personagens. É engraçado ver os que têm mais poder na história troçarem ou pregarem partidas às personagens principais, mas também tem piada quando se põem do lado do protagonista e destroem uma personagem afectada logo à primeira entrada em cena só com meia dúzia de palavras bem colocadas.  É o que acontece a Herr Karl Kluber, noivo da bela Gemma, em Águas da Primavera , de Ivan Turguénev. Quando ele vai visitar Sánin — e apesar de, na página anterior, Sánin ter ficado abalado ao saber que Gemma estava noiva — , é o narrador extradiegético quem se encarrega de lhe destruir o, digamos assim, retrato. São três parágrafos cómicos e demolidores sobre as propriedades morais e têxteis de Kluber que culminam na frase: Este homem tem camisa e qualidades espirituais de primeira categoria!

Na Rua das Lojas Escuras

Para além do mistério amnésico do narrador, Patrick Modiano entretém-se a desvendar as ruas de Paris. Logo na primeira página, por motivos paralelos à acção principal, surge a rue Vital, depois nunca mais acabam: rues ,  quais ,  avenues ,  boulevards , places , etc.. (Nota: no fim, arrumar em literatura topográfica, ao lado do Alexandre Andrade e dos mapas.) Gostava de ler o livro em Paris, em movimento — seguindo o narrador, parando nos cafés, restaurantes e hotéis mencionados. (Nota: criar um novo tipo de leitura ou crítica: em marcha, de preferência, lenta.) A alternativa pobre é usar o google maps . (Aqui apanhei um tipo a transportar uma escada numa mota e alguém colou um coração na placa com o nome da rua, pas mal .) Até agora, o meu capítulo preferido é o sexto, sobre Galina, conhecida por «Gay» ORLOW .  Gosto dele pela amplitude geográfica (alongar) e pelo estilo seco (recolher).  Também porque tem este parágrafo  (nunca citado na operação Marquês) : Em Paris, não se lhe conh

Uma cena de luta de mulheres na lama

Conforme previsto, o sarau de apresentação do príncipe à alta sociedade, em casa dos Epantchin, correu muito mal. O príncipe exaltou-se ao falar sobre religião — o tema, por excelência, supremo—, partiu o vaso chinês, caíu redondo no chão. Pouco apto para marido de Aglaia ou o que quer que seja, depreenderam os ilustres convidados. Mas o golpe final vem mais tarde, quando Aglaia, fazendo-se acompanhar pelo príncipe, decide visitar Nastássia para acerto de contas. Parece uma cena de luta de mulheres na lama: Aglaia e Nastássia ao centro, copo a corpo; o príncipe e Rogójin na retaguarda, nervosos e inseguros. Aglaia levantou ativamente a cabeça. — Tenha tento na língua, não foi com essa arma que vim lutar consigo... — Aah! Porque afinal de contas, veio cá para “lutar”? Imagine, pensei que a menina era mais espiritual... Aglaia ataca Nastássia pela forma como ela que se colou ao príncipe para logo o largar pelo ricaço Rogójin , a sua mania em chafurdar na desonra como um anjo qu

Agora já nem as doenças excitam a literatura

Os contos são sempre escritos com uma certa urgência, mas no caso de Flannery O’Connor o modo vai além do que é habitual. A pressão descamba logo em carácter premente: nada pode esperar nem um segundo. Cada história conserva as necessidades imediatas da adolescência e o fervor de uma ambulância. A correria vem, não tenho dúvidas, do avanço ineludível e restritivo da doença de Flannery O’Connor. É o lúpus eritematoso que a obriga a apressar-se e também, talvez, a ser tão concentrada e desmedida em tudo. As doenças funcionam muitas vezes como um estimulante da literatura. Bom, creio que isto só era válido no passado. Agora já nem as doenças excitam a literatura.

Mais actividades lúdicas

Sempre considerei a “escrita feminina” um conceito literário parvo e sem interesse. Mas agora que ando a reler — muito devagar, nunca mais do que um por dia — os contos tardios da Flannery O’Connor, resolvi reabilitá-lo por algum tempo. Uma técnica de provocação que aprendi ontem com Rufus Johnson.

Rubem Fonseca

À rudeza do seu estilo de base, feito de concreto, acrescenta a extravagância do vitralista. E ainda deixa toda a construção à mostra: betão, vidros coloridos, andaimes, entulho, a exuberância da língua. Ah, a exuberância da língua.

Influenciadores do século XX

cf. Peter Marlow - GB. Cambridge. George STEINER

Oh, uma ocorrência literária!

Ando há mais de uma semana a tentar escrever sobre os “Cadernos de Bernfried Järvi” e não consigo. Enquanto estava a ler o livro, talvez por simpatia, assaltavam-me ideias fulgurantes, mas depois da última página, depois nada. Quase uma afasia; as ideias foram perdendo a força, as palavras revelam-se desajustadas. Passa tudo ao lado. Tento uma e outra vez. O nevoeiro alastra. Não é fácil fazer frente a este livro, não é um livro qualquer, não é um livro à toa. Pelo contrário, posso afirmá-lo sem rodeios: este livro é literário e tem um passado! E basta isso para o tornar marginal, suspeito e até perigoso ( é necessário acrescentar uma tarja vermelha , diria Pagreus). O problema são as provas, a linha cronológica existe mas vejo-a toda enrodilhada ( falta-me discernimento ) Mais do que uma crítica literária, os “Cadernos de Bernfried Järvi” pedem um bom detective, alguém que saiba controlar os adjectivos, um mapa de três dimensões, cervejas ou café, uma lupa, algumas nuvens e menos

Obrigada, senhor Cohen.

“Bela do Senhor” começa nas últimas páginas do “Trincapregos” aliás, “Trincapregos” já vinha de “Solal” assim como “Bela do Senhor” se prolonga em “Os Valorosos”. É uma tetralogia que partilha sítios, personagens, ideias e frases; ler os quatro de seguida é como apanhar uma grande bebedeira. A questão principal do livro talvez seja, de facto, a relação amorosa entre Ariane Cassandra Corisande d’ Auble, por casamento Daume, e Solal dos Solal. Mas reduzir “Bela do Senhor” a uma história de paixão é preguiça e muito errado. Trata-se de uma obra compósita, dinâmica e oh, maravilha! extremamente literária onde as palavras galopam e sucumbem (agradecimentos também aos tradutores que aguentam a agitação constante  e, de novo, ao editor corajoso ). De forma impressionante, Albert Cohen retrata o crescimento do nazismo numa Europa complacente, ataca a burocracia e as rotinas sem sentido e sem responsabilidade da Sociedade das Nações, critica os homens lambe-botas e ambiciosos como Adrien Da