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Cegos

Manhã cedo. Bebo um café junto à janela da cozinha. Lá fora, os vizinhos passeiam os animais de estimação. Se por um fenómeno esquisito, os animais de repente se evaporassem, os vizinhos pareceriam cegos a caminharem para a frente e para trás, segurando bengalas em forma de trelas.

Weigel-Brecht

A última casa onde Weigel e Brecht viveram fica ao lado do cemitério francês de Berlim, em Chausseestrasse. Mudaram-se para ali no princípio de 1954. Todas as janelas têm vista para o cemitério. A casa é tranquila e luminosa. Weigel e Brecht estão enterrados na parte do cemitério mais próxima da casa, do outro lado das janelas. O túmulo fica aos pés de um enorme castanheiro-da-índia. Quando o vento sopra, um ouriço cai com estrondo sobre as lápides. Há castanhas espalhadas por toda a parte. Duras, selvagens, incomestíveis.

Pintar as paredes

Há uns sete ou oito anos que a minha casa não é pintada. As paredes têm riscos, manchas, marcas. Algumas fui eu que fiz, outras não sei como apareceram. Os tectos estão cobertos por uma fina película de gordura do fumo do tabaco. Pedi um orçamento a um pintor. Deixou-me alguns catálogos de tintas para escolher as cores. As tintas brancas têm nomes como Seda, Grão de Areia , Lotus , Branco Primavera , Branco Nuvem , Branco Marfim , Chá Branco , Branco Camélia ou Branco Magnólia . No fundo, o que pretendo é mascarar a verdade com poesia barata.

Esta casinha

Na Travessa de S. Brás, nas traseiras do cemitério da Lapa, há uma casa com um painel de azulejos à entrada, com a seguinte inscrição: Esta casinha que é nossa foi feita p’ra nós os dois. Amigos!... Também é vossa. Descansai; segui depois. Ninguém vive ali há anos. A casa está soterrada em musgo, ervas daninhas e humidade, quase em ruínas.

Corredor

O minúsculo corredor de casa. Dois ou três passos são suficientes para o percorrer de um extremo ao outro. Até há pouco tempo um simples espaço de passagem, meio despido e cinzento. Agora, o coração da casa. A grande artéria urbana que liga a cozinha e a sala, com os seus néons, montras e bugigangas.

Por mais que limpe o pó, o pó não desaparece. Acumula-se sobre os móveis, os livros, o computador. Avança pelo corredor, entra no quarto, instala-se na sala. Não dá tréguas. Se limpo agora, volta a aparecer daqui a pouco. Ainda mais notório, ainda mais abundante. É como se a casa se revoltasse contra a nossa presença. Como se nos quisesse ver pelas costas. Como se fôssemos o pó que a casa quer limpar.