Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

A mostrar mensagens com a etiqueta Caderno de Talamanca

Noite de Talamanca

(...) O misticismo e o «desengano» constituem também o leitmotiv do Caderno de Talamanca , assim como a paixão pela música.  Este Caderno foi escrito durante o verão de 1966 em Talamanca, uma povoação situada na ilha de Ibiza. É o testemunho de uma crise, uma crise de tal intensidade, que nos  Cadernos posteriores será referida como Noite de Talamanca .  Verena von der Heyden‑Rynsch, prefácio a Caderno de Talamanca.

Prova incriminatória

Há apenas três referências ao tango nos Cadernos e mais uma no pequeno Caderno de Talamanca , mas que não restem dúvidas quanto à importância do tango para Emil Cioran — como experiência musical mas, principalmente, como estado de alma.  Se isto fosse um caso de polícia e quisesse provar a relação entre os dois, bastava contar as vezes que Ramón Gómez de la Serna usa a palavra “desengano” — crucial no pensamento e na vida de Cioran — na sua “Interpretação do Tango”.

Tango del desengaño

Gostava de ter vivido entre povos tristes, ou pelo menos cuja música é langorosa ou pungente: fado, tango, lamentos árabes, húngaros... ( Cadernos , junho de 1963 )  Ibiza, 1 de agosto. No ano passado, F. emprestou-me o seu gira-discos e ouvi um disco que me encantou. Era um tango espanhol, do mais dilacerante que há. De volta a Paris, tentei lembrar-me do ritmo e da melodia. Impossível. Um ano depois, encontro-me de novo na mesma casa. No dia seguinte à minha chegada, durante a sesta, tenho um sonho no qual escuto um tango. Ao despertar, tinha reencontrado o meu tango. ( Caderno de Talamanca , agosto de 1966 )  Borges escreveu um poema sobre o tango. Como eu o compreendo. Tenho vontade de exclamar: «Dêem-me um tango por dia!» Trago em mim uma Argentina secreta. ( Cadernos,  outubro de 1966 )  A tristeza impetuosa em todos os níveis, do tango ao Apocalipse. É esse o meu clima habitual. ( Cadernos,  fevereiro de 1969 ) 

Vivre loin de la Méditerranée est une erreur

Traduzi o Caderno de Talamanca (também conhecido pelos aficionados como Noite de Talamanca ) a partir da versão espanhola. Como é passado em Ibiza, pareceu-me razoável o deslize.  Mesmo assim resolvi comprar o livro em francês (colecção "Le petit Mercure", 4,52€). Chegou há pouco e já me entusiasmou. Um livrinho de dez por dezasseis centímetros (é o formato de um postal), com cerca de 60 páginas impressas e muitas ainda em branco (vão dar jeito), perdido numa caixa enorme cheia de ar. Tantos significados em fila para serem reconhecidos. Por outro lado penso logo: ah, alguém nos meandros da distribuição reconhece o valor de Cioran, juntos ainda podemos dar cabo disto tudo.  

Verão quente em Talamanca

Um francês pergunta a um delegado sindical sueco: “Que pode ainda desejar um operário na Suécia? Tem tudo, não pode querer mais nada”. O delegado responde: “Sim, um segundo quarto de banho”. Emil Cioran, Caderno de Talamanca, agosto de 1966.

Belo universo maldito

Encontrei a versão espanhola do Caderno de Talamanca , um livrinho menor de Cioran, uma espécie de diário de férias de verão. É tão estranho — mas também tão apetecível — imaginar Cioran ao sol em Ibiza. Não preciso de mais nada, passei-o à frente dos Cadernos de Paris.  Ibiza, 31 de julho de 1966.  Esta noite, completamente acordado por volta das três. Impossível ficar mais tempo na cama. Fui dar um passeio à beira-mar, levado pelos pensamentos mais sombrios. E se me atirasse do alto do penhasco? Vim para aqui pelo sol e não suporto o sol. Estão todos morenos, mas eu tenho de ficar branco, pálido . Enquanto me entregava a todo o tipo de reflexões amargas, olhei para estes pinheiros, estas rochas, estas ondas "visitadas" pela lua, e subitamente senti até que ponto estava ligado a este belo universo maldito.