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Teoria Geral das Lágrimas

Na idade em que, por inexperiência, ganhamos gosto à filosofia, decidi, como toda a gente, escrever uma tese. Que tema escolher? Queria um ao mesmo tempo corriqueiro e insólito. Quando achei que o tinha encontrado, apressei-me a comunicá-lo ao meu mestre. — Que pensa de uma Teoria Geral das Lágrimas? Sinto-me à altura para a trabalhar. — É possível, disse ele, mas vai andar aos papéis para encontrar uma bibliografia. — E isso que importa? Toda a História por inteiro me apoiará com a sua autoridade, respondi com um tom de impertinência e triunfo. Mas como ele, impaciente, me deitou um olhar de desdém, resolvi de imediato matar o discípulo em mim. Emil Cioran, Silogismos da Amargura.

Ou amendoins

Cioran rende muito, para além das traduções ainda dá para notas de tradução: Ao traduzir os textos de Cioran sinto-me como quando era miúda e calçava os sapatos prateados da minha mãe. Agora os sapatos servem-me, mas continuam a não ser meus. Não basta a actividade intelectual — para entender melhor as palavras de Cioran é preciso ter um historial clínico dinâmico. As traduções de Cioran beneficiam: de uma falta de trabalho crónica, da luz que entra pelas janelas, do efeito do café forte, do som arrastado dos barcos no rio e, acima de tudo, da presença de uma ratazana gorda no jardim. Sempre que Cioran escreve sobre Deus e o princípio do mundo, é como se estivesse a falar de um caso policial. Para me livrar do tédio, entretenho-me a traduzir silogismos ao acaso. Nesta frase, Cioran apenas aprovaria “ao acaso”. — O tédio, quando surge, deve ser aproveitado devagar, até ao fim, para além do fim.

Silogismo truncado

Ontem foi avistado um abutre numa estação de metro em Matosinhos . Lembrei-me logo do bom humor de Kafka . Se calhar não é só falta de jeito, se calhar a literatura actual é um bocado murcha apenas porque a realidade é demasiado exuberante.