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Caminhadas

Apenas uma pequena parte das caminhadas de Carl Seelig com Robert Walser é sobre literatura. Walser nem sempre está para aí virado e Seelig não o quer melindrar. Ainda bem. Assim, os temas dominantes deste livrinho são: geografia, meteorologia, comida.  Eles andavam de comboio mas principalmente a pé, para cima e para baixo, com sol e com chuva ( debaixo do guarda-chuva, Walser sente-se como em casa — um discípulo de Satie devia compor uma canção para esta frase) e ficavam esfomeados. Apesar da guerra, quase sempre conseguiam comer e beber bem: escalopes de vitela, rostï, merengues, queijos, vinhos. Walser fumava muito.  O livro é um documentário. Belo.

12 de Agosto de 1945

A bomba atómica foi descoberta - a guerra mundial chegou ao fim. Após dias de tempestade em que o vento, soprando a centenas de quilómetros por hora, assobiava por entre as árvores, a tranquilidade regressou. Um nevoeiro fino como um véu paira sobre o lago de Zurique enquanto viajo até à estação. Acomodo-me num canto para não fumadores do expresso e começo a ler. Em Winterthur, uma mãe e a sua filha, grande como uma galinha de engorda, forçam a entrada no comboio. A mãe transforma a carruagem silenciosa num quarto de crianças, prepotentemente, como se fosse o centro do mundo. Uma boneca é instalada no assento, a rapariga é penteada, o pequeno-almoço emerge de um saco de papel amachucado. O seu rosto gordo está ostensivamente voltado na minha direcção. Já não vejo nada à frente... Carl Seelig. Acaba a guerra mundial, começa a outra guerra, a guerra comezinha do quotidiano. Com todos os seus tiranetes, oficiais de pacotilha e fogo lento.

Marcas do génio

[Robert Walser] entusiasma-se ao falar da "curiosa mestria" de um Charles Dickens ou de um Gottfried Keller, em cujas obras o leitor nunca sabe se há-de rir ou chorar. Trata-se seguramente de uma das marcas do génio. Eu comento: "Isso também acontece frequentemente nos seus livros." Ele pára subitamente no meio da estrada, com um tremendo solavanco, faz um ar muito sério e dirige-se-me num tom suplicante: "Não, não! Peço-lhe encarecidamente que não volte a mencionar o meu nome em conjunto com o de tais mestres. Nem sequer deve sussurrá-lo. Ao ser mencionado na sua companhia, só me apetece enfiar-me num buraco!" Carl Seelig, Caminhadas com Robert Walser . Tradução de Bernardo Ferro.

Cada editor floresce numa determinada época

Já reparou que cada editor floresce apenas numa determinada época? As oficinas Frobenius e Froschauer na Idade Média; a editora Cotta com a ascensão da burguesia; os mestres Cassirer no dulci jubilo do período anterior à guerra; Sami Fischer numa Alemanha jovem, que se liberta do poder imperial; o aventuroso Ernst Rowohlt no casino do pós-guerra. Cada um tem a atmosfera de que precisa para desenvolver a sua actividade e ficar rico. Robert Walser, citado por Carl Seelig. Que editor floresce na época do facebook, do instagram e das mil redes sociais? Não estou certo de que a resposta esteja nas grandes editoras, que ainda funcionam segundo a lógica comercial tradicional. Talvez os casos mais bem sucedidos sejam, à sua escala, as “editoras” que alimentam em nós a ideia de que todos somos poetas e romancistas, de que todos temos uma palavra a dizer, de que editar um livro é tão simples e “natural” como publicar uma selfie no instagram. Em Portugal, mais do que a Porto Editora ou a Ley

Tudo a pé, naturalmente.

Certa vez, parti de Berna às duas da manhã em direcção a Thun, aonde cheguei às seis da manhã. De tarde estive no Niesen, onde devorei, regalado, um bocado de pão e uma lata de sardinhas. À noite estava de novo em Thun e à meia-noite em Berna; tudo a pé, naturalmente. Noutra ocasião, caminhei de Berna a Genebra, passei lá a noite e regressei. Um dos meus primeiros relatos de viagem foi sobre o Greifensee, publicado por Josef Viktor Widmann no Bund . Já na altura me pareceu dificílimo fazer a descrição de uma viagem. Robert Walser citado por Carl Seelig, em Caminhadas com Robert Walser . Tradução de Bernardo Ferro.