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A mostrar mensagens com a etiqueta Michelangelo Antonioni

Cada bicho com seu gosto

Já não lia Junichirō Tanizaki há bastante tempo, não sei se foi por isso que me entusiasmei tanto com Alguns preferem Urtigas . Mesmo assim ainda consigo apontar três causas mais ou menos racionais: é o livro de ficção de Tanizaki mais perto do ensaio Elogio da Sombra com tudo o que isso implica de atracção imediata; apesar da dimensão o arrumar nas novelas (ou até, por distracção, nos romances), usa a estrutura dos contos — poucas personagens, pouco enredo, um final magnificamente sincopado; faz lembrar um filme de Antonioni, um filme que Antonioni tivesse feito no Japão, um filme perdido.

Nevoeiro

Revi ontem à noite Identificação de uma Mulher , no ciclo dedicado a Antonioni. Não é um dos meus filmes. Mas a longa sequência do nevoeiro é inesquecível. O nevoeiro e aquela coisa estranha que aparece entre os ramos de uma árvore. Não é um fruto, não é um ninho, não é um bicho. O que é? Uma coisa viva, uma coisa morta? Ninguém sabe. Somos como o personagem do cineasta Niccolo. Mesmo em dias limpos, não vemos um palmo à frente do nariz e o que vemos nem sempre tem explicação.

Lama

Fomos ver O Grito , de Antonioni. O filme foi feito com personagens e lama. Tal como o desespero é uma expressão do pensamento e do corpo, a lama é uma mistura de água e terra. Não há nada verdadeiramente sólido nem apenas líquido no filme. As personagens escorregam pela tela. Ou melhor, deixam-se escorregar. Como se escorregar fosse a sua condição. Leio na folha de sala que, na época em que realizou o filme, Antonioni «atravessava uma grave crise de depressão».

Por causa do sol

O senhor mandou queimar uma pradaria... pintou casas de cores totalmente diferentes... e fala-se de um bosque que o senhor pintou. Antonioni: Sim, é verdade. Mas eu não pude rodar a cena por causa do sol. Havia um bosque que me interessava, que ficava ao lado de uma fábrica muito grande, muito importante, com quatro mil operários... e devia começar o filme por uma greve... e essa greve deveria acontecer perto do bosque. O bosque era verde, claro... mas sentia que esse verde... não era adequado ao momento. Então, quis pintar o bosque de branco, aliás, de cinza. O branco sobre o verde dava uma cor cinza. Fizemos isso. Pintamos a noite inteira com uma grande bomba... que soltava um tipo de tinta, mas era quase uma fumaça. Mas no dia seguinte, ao sol, não pude filmar... porque ficamos contra o sol e o bosque parecia preto. Michelangelo Antonioni, a propósito de O Deserto Vermelho .

Pessoas desconhecidas em álbuns de família

Uma fotografia nunca conta apenas uma história, mas várias. Basta não olhar em frente, mas para o lado. Basta não fixar o olhar apenas no motivo principal, mas desviá-lo para as margens, como se o observador sofresse de uma espécie de estrabismo artístico. O que está na sombra, no segundo plano, desfocado, como em Blow Up , é quase sempre tão ou mais interessante do que o motivo principal da fotografia. Na longa série de imagens Pessoas desconhecidas em álbuns de família , da dupla Lina&Nando, este jogo do gato e do rato ganha uma nova dimensão: que personagens se escondem, em segundo plano, nas triviais fotografias de família? Quem são estas pessoas que, por mero acaso, ficam presas para sempre em imagens que não lhes pertencem? Pessoas que se escondem, como espectros, atrás das personagens principais? Ou fantasmas irrequietos que se divertem a assombrar as fotografias? Pessoas que permanecem “desconhecidas” e invisíveis? Ou criaturas que exigem um lugar próprio na história de c...

Corpo ou fantasma?

Thomas toca com os dedos o rosto do homem morto, abandonado no parque, sobre a erva. Thomas tem de ter a certeza de que o corpo é real, de que não é um artifício da sua imaginação. Ele toca-lhe para se assegurar de que não foi engolido pelo seu próprio sonho, de que não foi traído pelos truques da sua própria arte: ele precisa de ter a certeza de que ainda conhece o chão que pisa. Num filme construído a partir de gestos, movimentos, deslocações, este é o gesto mais significativo de todos. A dúvida conduz à verdade, mas também à ficção. Na manhã seguinte, o corpo já não está no local e não há nenhum indício de que alguma vez lá tenha estado. Desapareceu como se nunca tivesse existido. O momento em que Thomas toca no corpo, como S. Tomé  (Saint Thomas, em inglês), é o exacto momento em que a realidade e a ficção se tocam, em que todas as fronteiras se dissipam. Thomas tocou num corpo ou num fantasma? Esta é a chave de Blow Up .