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Jesus

Primeira sequência de Fairytale . Jesus e Estaline repousam lado a lado, num canto do purgatório. Estaline deitado no meio de uma montanha de rosas, Jesus num catre de pau tosco. Ambos aguardam que Deus decida o destino de cada um. O ditador levanta-se e caminha, mas o Salvador, de ar débil e abatido, não consegue mexer-se. «Dói-me tudo», diz ele, numa voz abafada de tísico. O filho de Deus Pai, de Aleksandr Sokurov, parece tirado a papel químico do Jesus imaginado por Oscar Panizza, o personagem mais triste e patético de O Concílio do Amor. JESUS (estremecendo) Pois é — e com isso, nós é que vamos ficando cada vez mais miseráveis, cada vez mais fracos! Que coisa horrível! (Tosse.) A mim comem-me, e assim se vêem livres da doença e do pecado! Ao passo que nós caminhamos progressivamente para o declínio. Começam, primeiro, por se encherem de pecados até mais não poder, e a seguir ingerem a minha carne e ficam curados, inocentes, gordos e anafados — enquanto nós para aqui estamos magros

Ihr habet allezeit Arme bei euch

Na Paixão Segundo São Mateus há uma cena em que os discípulos ficam indignados por uma mulher derramar bálsamos valiosos sobre a cabeça de Jesus. Alegam que é um desperdício; podiam vendê-los e dar o dinheiro aos pobres. Jesus defende a mulher e diz: Ihr habet allezeit Arme bei euch, mich aber habt ihr nicht allezeit (pode traduzir-se assim: tereis sempre pobres, mas a mim nem sempre me tereis). Parei aqui porque me pareceu que esta intervenção mostrava um traço de orgulho (é para estes atalhos que nos empurram as leituras de Cioran). Mas passado um bocado começou a emergir outra revelação, talvez até mais perigosa. Na primeira parte da frase, nessa imagem de uma pobreza perpétua ( allezeit , que se pode traduzir por “sempre”, é a justaposição das palavras “todo” e “tempo”), percebi que no fundo, no fundo do fundo se for preciso forçar o afastamento, este Jesus é um céptico. 

Messias e rinocerontes

Numa peça de 1948, Virgilio Piñera conta a história de um simples barbeiro de bairro, chamado Jesus , que os vizinhos declaram tratar-se do novo Messias. O pobre barbeiro rejeita tal predicado e nega todos os milagres que lhe atribuem. Os discípulos, porém, transformam cada coincidência (os pais chamam-se Maria e José) e cada palavra de Jesus num motivo de encantamento. Ora, vítima de tão excepcionais e involuntárias circunstâncias, vê-se forçado a enfrentar o fanatismo popular e a proclamar a sua condição de “Não-Jesus”. Desta maneira, nega não apenas a sua condição de Messias, mas também a sua própria identidade, uma vez que efectivamente se chama Jesus. O problema assume proporções inimagináveis: o Vaticano envolve-se no assunto (aconselha-o a não confirmar nem a desmentir a fé do povo na sua suposta natureza divina, Vox populi vox Dei ) e as autoridades públicas exigem-lhe que realize façanhas prodigiosas. Por compaixão, ajuda algumas pessoas que lhe pedem milagres e que, por iss