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Déglacer une poèle

Talvez porque pedem mais mão que cabeça, quando estou a executar tarefas domésticas repetitivas (fazer a cama, passar a ferro, cortar legumes, etc.), tenho tendência para me perder em raciocínios abstractos. Já atingi o ponto em que esses pensamentos se debruçam sobre a própria acção de pensar. Ainda hoje, enquanto preparava o jantar, tentei perceber se será possível aplicar a técnica de deglaçar uma frigideira à construção de um conceito para o tornar mais profundo e denso.  Não cheguei à resposta — nunca chego, aliás —, mas talvez seja uma questão de língua, talvez esse gesto intelectual só funcione em francês.

Conferências do casino (tardias)

A produção de pensamento é um acto importante, principalmente se ocorrer de forma independente à proposição enunciada; e ainda mais se não perder mão do pressuposto íntimo: “a nossa vida é sempre (e apenas) um amontoado de factos muito trágicos e muito cómicos”. Facilita ler Thomas Bernhard antes de iniciar o processo de fabrico — qualquer coisa, de preferência tudo. Nenhum objectivo será alcançado.

9 abril 1969

O pensamento é indiscrição, usurpação .  Pensar é não deixar as coisas no sítio — é um trabalho de deslocação.  O pensamento é a forma mais subtil da agressividade. Emil Cioran, Cadernos 1957-1972.
1930 Engelmann disse-me que em casa, ao remexer uma gaveta cheia de manuscritos seus, estes lhe parecem tão excelentes que pensa que valeria a pena dá-los a conhecer a outras pessoas. (Diz que o mesmo se passa ao ler cartas dos seus parentes já falecidos.) Mas quando pensa em publicar uma selecção desses manuscritos, as coisas perdem o seu encanto e valor, o projecto toma-se impos­sível. Eu disse que tal se assemelhava ao caso seguinte: nada há de mais extraordinário do que ver um homem, que pensa não estar a ser observado, a levar a cabo uma actividade vulgar e muito sim­ples. Imaginemos um teatro; o pano sobe e vemos um homem sozi­nho num quarto, a andar para a frente e para trás a acender um cigarro, a sentar-se, etc., de modo que, subitamente, estamos a observar um ser humano do exterior, de um modo como, normal­mente, nunca podemos observar-nos a nós mesmos; seria como observar com os nossos próprios olhos um capítulo de uma biografia — isto poderia, sem dúvida, ser ao mesmo temp