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A mostrar mensagens com a etiqueta Roberto Calasso

A culpa

Os homens estão convencidos de que foram expulsos desse lugar [o paraíso] por terem comido o fruto da Árvore do Conhecimento do bem e do mal. Mas é uma ilusão. Não é essa a culpa dos homens. A culpa dos homens está no facto de ainda não terem comido da Árvore da Vida. A expulsão do paraíso foi um pretexto para o impedir. Vivemos no pecado não porque fomos expulsos do paraíso, mas porque essa expulsão nos tornou incapazes de realizar um gesto: comer da Árvore da Vida. Roberto Calasso, K . Tradução de José J. C. Serra.

Igreja

Roberto Calasso cita em K. um comentário de Musil sobre O Desaparecido. Musil diz que o romance de Kafka é regido por «aquele sentimento das orações fervorosas das crianças e tem algo do escrúpulo irrequieto dos trabalhos para casa bem feitos.» O comentário também serve como uma luva às Redacções de Fritz Kocher , de Walser.  Karl Rossmann, Fritz Kocher, Franz Kafka.  Roberto Calasso, Robert Musil, Robert Walser.  E todos os santos e santas da nossa sagrada igreja.

Lentes de aumento

Adorno é o único exegeta que parece fortemente impressionado pela figura da professora Gisa, personagem secundária que só aparece numa cena de O Castelo , quando recupera a posse da sua sala de aula na escola onde K. e Frieda se alojaram com os ajudantes. Kafka descreve Gisa como «uma rapariga alta e bonita, apenas um tanto altiva». Nada mais. Adorno descreve-a da seguinte maneira: «Gisa, a professora loura, é talvez a única rapariga bonita, cruel e amante dos animais que é por ele [Kafka] descrita como incólume, como se a sua dureza escarnecesse do turbilhão kafkiano; pertence à raça pré-adâmica das jovens de Hitler, que odeiam os judeus muito antes de eles existirem.» Roberto Calasso, K. Tradução de José J. C. Serra.

A cerimónia típica vienense

Encontrei [Thomas] Bernhard poucas vezes, todas elas memoráveis. A primeira vez foi em Roma, com Ingeborg Bachmann e Fleur Jaeggy, no início da década de 1970. Bernhard havia lido um texto seu no Instituto Austríaco. Contou-nos que o director do Instituto se preocupou logo em lhe dizer, com a cerimónia típica vienense: «A cama onde vai dormir é a mesma em que Johannes Urzidil morreu há alguns meses.» Roberto Calasso, O Cunho do Editor . Tradução de José J. C. Serra.

Oráculo

Quando Creso consultou Delfos antes de dar o passo mais grave na sua longa vida de soberano - a guerra contra Ciro da Pérsia -, a resposta da Pítia foi perfeitamente dúbia: «Destruirás um grande império.» Creso pensou que o grande império era o de Ciro, mas o oráculo referia-se ao seu. Roberto Calasso, As núpcias de Cadmo e Harmonia . Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo.

Não demasiado

Quando chegou a Micenas, na companhia de Menelau, e encontrou sua irmã Clitemnestra, que acabara de ser degolada por seu filho, Orestes, Helena em sinal de luto cortou as pontas dos cabelos, mas não demasiado, para não se desfear. Roberto Calasso, As núpcias de Cadmo e Harmonia . Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo.

Zeus está desejoso de os observar

Quando chegou o tempo de os heróis serem exterminados, teria bastado uma peste. Mas uma guerra, uma longa e emaranhada guerra, era muito mais bela. Assim, os deuses empenharam-se em fazê-la nascer e durar. Zeus não teria perdido tempo a observar das alturas as devastações da peste. Pelo contrário, quando os Troianos e os Aqueus voltam a enfrentar-se, Zeus está desejoso de os observar, e por vezes também, de sofrer. Roberto Calasso, As núpcias de Cadmo e Harmonia . Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo.

Influenciadores do século XX

 

O que a pele de leão deixava a descoberto

As nádegas de Héracles eram como um velho escudo de couro, enegrecidas pela longa exposição ao sol e pelo hálito ardente de Caco e do touro cretense. Quando Héracles capturou os dois escarninhos Cércopes, que vinham para o roubar e para lhe tirar o sono, disfarçados de importunos moscardos, depois de os ter obrigado a reassumir uma forma humana, pendurou-os pelos pés a uma trave e, como os seus pesos se equilibravam, colocou a trave sobre os seus ombros. A cabeça dos dois minúsculos patifes pendia à altura das nádegas possantes do herói, que a pele de leão deixava a descoberto. Então os Cércopes recordaram-se das palavras pressagas de sua mãe: «Meus pequenos Cus Brancos, tende cuidado com o momento em que vos encontrardes com o Cu Negro». Os dois ladrões pendurados foram sacudidos pelo riso, enquanto as nádegas do herói continuavam a subir e a descer na sua marcha segura. Enquanto ia andando, o herói sentia atrás de si aquele riso sufocado. Sentia-se triste. Nem as suas vítimas o ...