“Reflexões sobre Bach ou sobre Kafka são sinais indicadores dessa pertença. De onde as conversas elevadas dos começos de um amor. Ele disse que gostava de Kafka. Então, a idiota fica extasiada. Ela crê que é por ele ser intelectualmente bem. Na realidade, é porque ele está socialmente bem. Falar de Kafka, de Proust, de Bach, é a mesma coisa que as boas maneiras à mesa, que partir o pão com a mão e não com a faca, que comer com a boca fechada. Honestidade, lealdade, generosidade, amor da natureza são também sinais de pertença social. Os privilegiados têm massa: porque não seriam eles honestos ou generosos? São protegidos desde o berço até à morte, a sociedade é suave com eles: porque haveriam de ser dissimulados ou mentirosos? Quanto ao amor pela natureza, ele não abunda nos bairros da lata. Para isso é preciso ter rendimentos. E a distinção, o que é senão as maneiras e o vocabulário em uso na classe dos poderosos? Se eu digo fulano e a sua dama, sou vulgar. Esta expressão, distinta há ...
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral