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Querido, onde é que estão os verbos?

Ainda sobre regras para escrever bem ou seguir um método que nos parece adequado (ambas as resoluções são becos sem saída), há uma história muito gira e bastante radical que o George Saunders conta na nota final de “Guerracivilândia em mau declínio”. Depois da fase Hemingway/Babel/Carver, Saunders tentou uma escrita ao jeito de Joyce/Lowry/Lawrence e escreveu um romance com o título “La boda de Eduardo” inicialmente com 700 páginas, reduzidas para 250 mas mesmo assim intragáveis, quase sem verbos e cheias de substantivos compostos. Pediu à mulher uma opinião sobre o manuscrito, ela desistiu ao fim de alguns minutos e, com extrema concisão e justeza, disse-lhe o seguinte: — Todas aquelas horas, para isto ? Querido, onde é que estão os verbos? Puseste-os num documento à parte, ou quê? E o que é aquilo com as palavras compostas e os joguinhos de palavras e toda aquela desesclarecedora embrulhada?

Escrever bem

Não li a entrevista de Miguel Esteves Cardoso, mas também não pretendo analisá-la, apenas perder algum tempo com o título porque é bastante interessante. Durante a conversa, Miguel Esteves Cardoso afirmou “sou extremamente inteligente, tenho um grande sentido de humor e escrevo muito bem” e a jornalista destacou a frase para as letras gordas. É um enunciado muito categórico — parece uma seta lançada com intensidade para as alturas desconhecidas, cada um dos atributos impulsionando o seguinte. Mas na verdade, extrema ironia, a flecha cai ao chão logo a seguir ao sentido de humor; “escrever muito bem” é um desgosto na vida de Miguel Esteves Cardoso. Para quem sabe o que a literatura é (e Miguel Esteves Cardoso sabe tremendamente) “escrever bem” é uma merda. Ser austero nos adjectivos e advérbios é uma regra boa para redigir relatórios.