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Memória

Há vários meses que a falta de memória está na ordem do dia. Membros do governo não têm memória dos factos. O Presidente da República também não se lembra das mensagens. Não são os únicos. O país inteiro parece ter-se esquecido da noite escura onde está mergulhado grande parte do seu passado. E, se olharmos em volta, também o mundo parece ter perdido a «fita do tempo».

Um leitor desconhecido

Tiro um livro da estante. É um velho livro usado que talvez tenha comprado na Vandoma. Ou num alfarrabista, talvez. Não sei, não me lembro. Há frases sublinhadas, símbolos nas margens: setas, cruzes, pequenas circunferências. Releio as passagens que o leitor anterior sublinhou e destacou com sinais. O que é que ele viu e que eu não consigo ver? O que é que eu não percebo? Ou terei sido eu a sublinhar o livro e entretanto perdi a memória disso? Um leitor desconhecido ou eu próprio noutro tempo. A diferença não é nenhuma.

O pátio do bisavô

Uma das cenas que melhor descreve os mecanismos sinuosos da memória surge quase no início do livro. Em 2011, um conhecido de Maria Stepánova convidou-a para participar numa conferência em Sarátov. Ela não conhecia a cidade mas, como era a terra do seu bisavô, resolveu aceitar o convite e aproveitar para investigar.  O conhecido conseguiu descobrir onde o seu bisavô vivera cem anos antes e ela foi à rua Moskóvskaia à procura do passado. Apesar de nunca lá ter estado, vai reconhecendo o pátio, as vedações, um arbusto, as paredes tortas, a madeira, os tijolos — tudo aquilo era nosso , escreve.  Uma semana depois o tal conhecido telefona-lhe para dizer que se enganara no endereço, o bisavô tinha de facto vivido naquela rua mas noutro número. Maria Stepánova conclui: Isto é mais ou menos tudo o que sei da memória .

Tudo rima

Memória da Memória , de Maria Stepánova, começa com uma citação de Lewis Carroll: « Que interesse tem um livro — pensou Alice —, se não tem figuras nem conversas? » E logo na página 15 uma nota de rodapé explica que sentar-se antes de partir de viagem é um costume antigo na Rússia . Mais do que o título, foram estas frases que atiçaram a minha curiosidade — é disso que se trata. O livro é um livro , claro, mas é também um sítio de confluência que recolhe coisas passadas sem ligações evidentes (definição básica de memória). Uma série de relatórios preliminares, pode-se dizer assim, sobre a família de Maria Stepánova, os judeus, os russos e todos nós — mas que não haja engano, o que é considerado principal já está em acção: dentro e fora das palavras, das imagens, dos objectos. Como nos obriga a fazer muitas pesquisas de reconhecimento (fotografias de Francesca Woodman, pequenos bonecos de porcelana fabricados na Alemanha desde o século XIX e mais tarde conhecidos por frozen Charlotte

Mnémosyne

Algures, muito perto ou muito longe, dentro ou fora do mundo, há um lugar misterioso onde estão reunidas todas as nossas memórias. Aquelas de que nos lembramos, com mais ou menos imaginação, e as que nem desconfiamos que um dia foram nossas. Esse lugar está longe de ser um arquivo morto. As memórias estão vivas, têm a sua própria forma e existência. Têm a sua própria voz . Tocam-se, movem-se, relacionam-se, agridem-se, amam-se, talvez sonhem, talvez se reproduzam. As memórias criam as suas próprias histórias. Talvez obras-primas secretas que estão para além das obras-primas que conhecemos. Como os textos invisíveis que provavelmente se escondem nos espaços em branco dos livros e que superam em beleza as linhas impressas a tinta. As memórias não dependem de nós para construir a sua própria vida em sociedade. Às vezes, quando sonhamos, abre-se uma porta para esse estranho mundo e vemos as memórias diante de nós sem que tenhamos plena consciência de que as estamos a ver. Também aconte