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Exercício teatral

Num debate com estudantes e comunistas sobre o panfleto em verso «O PCI aos jovens!» onde Pasolini ataca os estudantes-meninos do papá, um desses estudantes, o segundo da transcrição incluída em Entrevistas Corsárias , faz uma intervenção estupenda.  Começa por esclarecer que os estudantes não se vão enfurecer com Pasolini porque o poema foi desmentido pela história .  Depois aconselha Pasolini a conhecer melhor os jovens de quem fala, indo às barricadas ou lendo algumas linhas — claras e úteis — dos clássicos: Lenine, Marx, Engels.  Feitas as citações apropriadas, refere que em seguida têm de se levantar e ir embora porque são esperados na Apollon, uma fábrica ocupada. E saem.  Imagino tudo isto num palco com marcações bem definidas. Também me entretenho a tentar adivinhar o percurso deste jovem das barricadas de 1968 até agora. O corvo marxista deve saber se ainda está vivo, se continua a apreciar a clareza dos clássicos e por aí fora. O tom — não podia ser outro — é de farsa.

Sonho corsário

Levaram-me à sede do Partido Comunista. Era uma sala ampla cheia de estantes com livros e algumas cadeiras espalhadas — parecia uma biblioteca. Fiquei tão contente que, vez de me sentar para discutir como os outros, fui investigar as lombadas. (Infelizmente já não me lembro dos títulos.)  No fim, disse a um dos camaradas:  — Não têm nenhum livro de Pasolini! — Pasolini não era do Partido*. — Era mais comunista do que vocês todos! * Foi expulso em 1949 por «indignidade moral» — no sonho não sabia disso, mas a resposta é maliciosa porque os autores dos outros livros também não eram do Partido

El escritor catalán Félix de Azúa retratado en 1970

— Esquálido e com ar de refugiado.  Fui procurar o jovem Félix de Azúa dos anos setenta e encontrei duas fotografias num banco de imagens ( esta e esta , mas sem perceber a que se destinavam). Não tem a gabardine acolchoada verde-garrafa (quem será o Víctor a quem ele a deu? Será Víctor Gómez Pin?) nem as botas forradas a pelo.  Descalço, de calções esfarrapados e t-shirt de feira (por enquanto vou ignorar o cinto e o relógio), parece que está dentro de um filme de Pasolini: adorável.

Influenciadores do século XX

Sou, neste momento, apocalíptico

Durante um tempo, quando era jovem, acreditei na revolução como acreditam os jovens de hoje em dia. Hoje em dia acredito um bocado menos. Sou, neste momento, apocalíptico. Vejo defronte de mim um mundo doloroso, cada vez mais vil. Não tenho esperanças; portanto não esboço sequer um mundo futuro. Pier Paolo Pasolini, Julho de 1971.

120 dias que nunca acabam

Não sei bem o que escrever sobre a versão de Os 120 dias de Sodoma, de Milo Rau , mas preciso de o fazer. Preciso de parar o mundo por um instante para conseguir pensar melhor. Que coisa foi aquela que vi no teatro? O que aconteceu naquele palco? Que verdade terrível aqueles actores lançaram-me à cara com uma violência difícil de suportar? Como é que mexeram com os dedos pela minha parte de dentro? Como torceram a minha carne? A versão de Pasolini , tal como se diz a certa altura, é composta por figuras de luz. É cinema. No teatro, porém, os actores estão vivos, têm cheiro, transpiram e movem-se à nossa frente. A ficção veste pele humana. Jules Janin escreveu, em 1834, na Revue de Paris : «Não se iludam, o Marquês de Sade está por toda a parte, vive em todas as bibliotecas, numa prateleira misteriosa e tão oculta que sempre se descobre.» Se tivesse de resumir tudo numa frase, talvez escolhesse esta de Jules Janin. Quanto mais escondemos Sade nas prateleiras do fundo, mais ele se tor