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A dúvida como mecanismo de condução

Estabelecer uma relação entre Alicia e Cioran é uma ideia estúpida, mas bastante divertida. Acabei por descobrir (na verdade foi Alicia que descobriu) que a família dos Western (da parte da mãe) era originária da Roménia e, durante um certo tempo, Alicia teve o devaneio de fugir para lá (como se a Roménia fosse a floresta por excelência) com o irmão para viver um amor fora da lei. Claro que isso vale vários pontos na minha investigação falhada, mais até do que o suicídio que é penalizado por ser demasiado óbvio. Depois há muitas coisas que Alicia diz ao psiquiatra e ao Puto — mas não tirei notas, por isso fico-me por esta citação, já d’ O Passageiro (página 319), que podia ser um recadinho amoroso para o filósofo. E já chega disto. «(...) A ideia está sempre a lutar contra a própria concretização. As ideias surgem dotadas de um cepticismo inato, não aparecem e levam tudo à frente. E estas dúvidas têm a sua origem no mesmo mundo que gerou a própria ideia. E isto é uma coisa a que,...

Armado de escrúpulos

Se alguma vez um mortal foi atormentado, supliciado pelas dúvidas sobre si mesmo, esse mortal sou eu. Em tudo. Quando entrego um texto a uma revista, a minha primeira ideia é reavê-lo, retocá-lo e, sobretudo, abandoná-lo. Não confio em nada do que faço e penso. E se tenho uma certeza, é da desconfiança de mim mesmo — o que põe em causa não só as minhas capacidades, mas também os fundamentos e a razão do meu ser. Estou literalmente armado de escrúpulos. Como é que pude, nestas condições, empreender seja o que for e, com tantas perplexidades, decidir-me pelo menor acto, pelo menor pensamento? Emil Cioran, Cadernos 1957-1972